quarta-feira, 22 de junho de 2016

LADO B Teresinha Isabel Rihl Tregansin


Viva e deixe os outros viverem é o lema da escritora que soma em sua trajetória uma lista extensa de ações voluntárias e trabalhos dedicados à cultura

Por Valquíria Vita

    A banda nacional rufou os tambores para anunciar a entrada do rei e da rainha da Suécia, dando início ao jantar. O rei, Carl Gustav, exibindo todas as suas condecorações; a rainha, Sylvia, deslumbrante em um vestido vermelho. O jantar, com iguarias suecas e regado a vinhos da África do Sul, foi embalado com músicas clássicas entoadas por quatro senhoras. Na colocação da mesa, homens e mulheres intercalados simetricamente, tais quais os inúmeros talheres e taças dispostos na mesa, em quantidade exagerada, típica dos jantares pomposos. Após o banquete, uma banda de jazz embalou a dança dos casais. Depois, todos foram convidados para assistir a um coral de 20 vozes que se apresentou do lado de fora, em um tablado flutuante em frente  a ilha onde acontecia o evento — organizado em homenagem aos concessionários Scania do mundo todo. Entre os convidados, o casal Valdir e Teresinha Tregansin.   
É Tere, mais de 20 anos depois, quem conta essa história, relembrando detalhes que outros, de memória não tão aguçada, já teriam esquecido. Na época, a escritora acompanhava o marido, que trabalhava para a Scania, em uma das viagens feitas à Suécia, cidade sede da marca.
A habilidade em contar histórias e descrever acontecimentos é apenas uma das características de Tere. A outra, certamente deve ser a modéstia. No primeiro contato que tivemos, por telefone, ao saber que seria entrevistada, ela perguntou: “Mas será que eu sou merecedora de uma matéria assim?”
Tere adiantou que o marido havia falecido recentemente. E comentou que, desde então, estava sentindo uma tristeza que nunca antes havia experimentado — mas que sabia que, com o tempo, conseguiria voltar à vida normal. E com essa conclusão, a qual  chegou ali mesmo, naquela primeira ligação, Tere concordou em conceder a entrevista.
Nos encontramos alguns dias depois, em um café. A entrevista — em que Tere, entre outras histórias, contou sobre o jantar real na Suécia — foi encaixada na rotina da escritora, que se divide entre reuniões bem distintas: “Reuniões do Conselho da Mulher Empresária da CIC; do grupo da igreja; do grupo de literatura infantil; da Academia Caxiense de Letras e reuniões com as amigas”, elenca.

Lembranças de uma infância feliz em Galópolis
    Tere começou a conversa relembrando os saudosos anos em que passou a infância em Galópolis, localidade em que nasceu, em 26 de agosto de 1941. “Lembranças da infância…”, ela suspira. “Lembro do verde que cerca Galópolis, do rio que corta o vale em que eu tomava banho com as minhas amigas, do morro que subíamos à procura do sanguanel (figura mítica da cultura italiana) e da cascata de 100 metros de queda”.
    “Foi uma infância tranquila, então...”, completo. “Foi… mas meu pai se metia em cada briga…”, destaca ela. O pai de Tere, Ivo Arno Rihl, o único dentista de Galópolis, usava o tempo livre após as consultas para fazer campanha para o Partido de Representação Popular, na década de 50.
Se de um lado o envolvimento com a política do pai fez com que Tere cultivasse uma simpatia pelo assunto, por outro, ela guarda até hoje as lembranças do lado negro da cena política naquela época: “A parte que eu detestava era ver meu pai levar socos, tabefes e pontapés por causa disso. Eles não matavam, mas eles batiam”.
    Tere e o pai tinham uma relação muito próxima. Era ela — a mais velha dos seis irmãos (Mércia, Rogério, Sônia, Suzana, Roberto e Alexandre) —  quem acompanhava o pai em emocionantes viagens ao centro de Caxias em cima de um motociclo do tempo da Segunda Guerra Mundial. A relíquia automobilística do pai foi vendida quando Tere tinha 11 anos, para que ele conseguisse comprar para ela um acordeão, instrumento que Tere toca até hoje — no último Natal, com filhos e netos reunidos na praia, Tere tocou Noite Feliz.
    Ela viveu em Galópolis até os 13 anos, quando a família inteira se mudou para Caxias.

O amor pela escrita. E por Valdir
Normalmente, existe um momento — ou um período — em que percebemos o que queremos fazer de nossas vidas. Para Tere, esse momento ocorreu no colégio, durante uma aula de Português ministrada por uma freira. A professora pediu que os alunos reproduzissem um trecho do escritor português Eça de Queiroz. “No dia seguinte, ela disse que iria ler apenas a melhor reprodução da classe. E, para a minha surpresa, foi a minha. ‘Se Eça de Queiroz pudesse ler a tua reprodução, ele ficaria muito feliz’, a irmã disse. E essa frase me marcou muito, que eu acho até um pouco forte, não seria merecedora”, diz Tere, novamente questionando se merecia o elogio.
    Desde o incentivo da irmã, passaram-se alguns anos até que Tere lançasse o seu primeiro livro. Começou com O Dente de Ouro e hoje já soma mais cinco obras no currículo: A esperança cruza os mares; Galópolis El Profondo Vale Verde (onde demonstra sua profunda paixão pela localidade); Arte e Memória, Os Ferozes (que também tem Galópolis como cenário) e Viagem Maravilhosa à Terra dos Vikings (escrito após uma viagem à Suécia). Atualmente, está elaborando novos trabalhos: Kira – A cachorrinha salvadora e A Procissão. Além disso, está organizando uma coletânea de perfis de pessoas ilustres de Galópolis e dando continuação a um livro chamado Nossas Mulheres.
O dom com as palavras foi aperfeiçoado durante a graduação, em que a escritora cursou Letras com foco em História Regional e Literatura Infanto-juvenil, pela Universidade de Caxias do Sul.
Aos 19 anos,     Tere trabalhava em uma concessionária Mercedes Benz. O serviço de datilografar faturas na época pré-computador não era nada emocionante, mas lhe rendeu um encontro com o futuro amor de sua vida: Valdir, quatro anos mais velho, que trabalhava no mesmo segmento.  
Após o primeiro contato, Valdir enviou à ela um buquê de rosas, “bem romântico”, diz Tere. “Cheguei em casa e disse para a minha mãe que um rapaz  que diziam que era muito correto havia me mandado esse buquê. Aí minha mãe botou o nome dele para Nossa Senhora de Fátima, porque ela disse que estava sentindo algo. Quatro anos depois estávamos casados”, narra Tere. Tere e Valdir se casaram na Catedral de Caxias, em maio de 1967. Nessa parte da conversa, Tere precisa de uns segundos para se recompor e voltar a falar. A perda do marido, que era “o companheiro para tudo”, como ela depois definiu, ainda é muito recente.

Filhos bem encaminhados e viagens memoráveis
    O casal teve três filhos: Rafael, Tiago e Lucas. E Tere volta a se animar quando começa a falar dos três. Ela conta com orgulho que, Rafael, o mais velho, já foi presidente do Sinduscom e hoje é diretor da Viezzer Engenharia. Tiago, mudou-se para os Estados Unidos e hoje tem dois filhos americanos. Lucas já morou e trabalhou na China e hoje vive na África do Sul. Os filhos deram à Tere cinco netos: Dany, Maria Isabel, Gabriel, Frederico e Melissa. A dedicação à família é uma das características de Tere destacadas pelo filho, Rafael: “Minha mãe sempre foi uma pessoa apaziguadora e pronta para escutar, era ela quem intermediava os conflitos entre os irmãos e entre os filhos e o pai”, lembra.
Por conta dos empregos dos filhos em diferentes continentes, Tere e Valdir tiveram a chance de viajar muito: fizeram viagens anuais aos Estados Unidos, além de terem conhecido a China e a África. Por causa do emprego de Valdir, o casal também visitou a Europa muitas vezes. “A gente cumpria a obrigação na Suécia e depois passeava pela Europa”, lembra Tere.
Além do jantar com os reis, outra viagem memorável foi uma ida a Nova Iorque, com o marido e os filhos. Lucas, na época adolescente, estava aprendendo a tocar guitarra, e a família foi até uma loja de instrumentos procurar o modelo ideal para o menino. Enquanto o filho experimentava as diversas opções, Tere começou a andar pela loja, que era gigante. Em certo ponto, ouviu alguém tocar e deu de cara com o cantor Gilberto Gil, que estava testando uma guitarra. “Pedi para ele tocar uma música e ele tocou! Então eu posso dizer que tive Gilberto Gil tocando só para mim”, conta. Ninguém mais presenciou a cena, mas a lembrança, ainda faz Tere sorrir.
    Viajar ocupa a segunda posição no ranking de atividades favoritas de Tere. A primeira, claro, é a leitura. “Depois é o hábito de me renovar vendo o mar, amo a beleza do litoral”, diz Tere, frequentadora da praia de Atlântida. A frase tem tudo a ver com o que disse Rafael, o filho mais velho: “Com a minha mãe, aprendi a gostar da subjetividade e a procurar a beleza poética em coisas simples que, no dia a dia, tornam a vida mais doce e menos dura”.

Esforços voluntários em busca de pessoas melhores
        É desde a fundação do Conselho da Mulher Empresária da CIC, em 1997, que Tere está envolvida com a entidade. Ela responde pela parte cultural da organização. O serviço não é remunerado, assim como outras atividades de Tere, como o grupo “As Teresinhas”,  que estão construindo a Igreja de Santa Teresinha do Menino Jesus e um Centro de Formação de Mães e Adolescentes  no Bairro Fátima Baixo, em Caxias.
A dedicação à cultura é extremamente presente na vida de Tere. Sempre foi. “Descobri a arte quando a antiga revista O Cruzeiro estampou a obra de Salvador Dalí”, conta. Entre seus envolvimentos culturais, se destacam o de presidente do Núcleo de Artes Visuais de Caxias (Navi), onde lembra ter passado oito meses acompanhando a restauração de um painel de Aldo Locatelli.
Tere também foi presidente da Associação dos Amigos da Casa da Cultura; integrante de comissões comunitárias da Festa da Uva; diretora do Departamento Cultural do Recreio da Juventude; membro do Conselho Municipal de Cultura e hoje é Vice-Presidente da Academia Caxiense de Letras de Caxias: “Acredito que a cultura é um meio de as pessoas se humanizarem. Se elas se interessam por cultura, elas podem ser pessoas melhores”, explica Tere, definindo seu lema de vida em uma frase simples: “Viva e deixe os outros viverem”. 
  

Matéria publicada no Lado B Junho 2016 na Revista Acontece Sul. 

 

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