domingo, 12 de fevereiro de 2017

Breaking down the walls

For almost three years, the universe gave me one of the best experiences of my life. An experience abroad that has changed my way of seeing the world, accepting people as they are and really understanding different points of view.
I lived in a small town in the United States, Pittsburg, Kansas, which is known for receiving an impressive amount of international students in college. Not only were we accepted, as we were lovingly integrated into the community. All the foreigners went through a week of orientation that included dinners generously prepared by the residents of the city. This orientation was led by an American with Filipino roots.
During those dinners, it was possible to talk with the Americans who were welcoming us, with the new students who were Chinese, Russians, Arabs, Syrians, Koreans, Paraguayans, Africans. White, black, Christians, Muslims, really, at that moment, these differences were not even noticed. And I remember to this day the gratitude that I felt for having the chance of seeing experiences so different from mine, who had spent 25 years living in Caxias do Sul, Brazil. That was all that mattered. The richness of that diversity. An American publisher with a French lastname hired me to write for the newspaper. Other Brazilians, Indians, French, Koreans had been hired in the same newspaper. My American family invited me to Thanksgiving, when a group of friends from Saudi Arabia also joined us – who returned the favour by making Kapsa, a traditional dish of rice, at a dinner where everyone sat together on the floor and ate with their hands. With the Arabs, I also created a research project with women to understand how they felt about not being able to drive in their country, while there, in the United States, they freely circulated with their cars. They all agreed to answer my questions – with each answer, making me understand that there is no right culture and wrong culture, there are only different cultures.
The extremely active international community of Pittsburg promoted events to break up some stereotypes: the Arabs said that no, they do not cut off the arms of the people who steal; The Chinese said they do not eat dogs; and the Brazilians explained that they do not live with monkeys in the streets and houses. All these ideas really existed for many people. And little by little, we, international students, as they, Americans, were breaking down small walls that we had built over the years, when we did not really know other cultures.
In the United States, I and many others were immigrants. Back in my hometown, in Brazil, I noticed a flood of Haitian and Senegalese immigrants who came here in search of jobs. Which reminded me that my maternal great-grandparents were Italians, paternal, Swiss. All, therefore, immigrants who came here to work.

Impossible not feel a great sadness to see what is happening today. Not only because of a leader who wants to build walls and banish the entry of some countries, but (and this is perhaps the saddest) because this kind of action encourages other thoughts, it makes a lot of people think: ‘That makes sense. We have to isolate ourselves. It would be better if each stays in their country. Safer ‘. No…
A country or a city that sees immigrants as threats – to jobs, to safety, to health – goes against globalization, goes against progress, goes against the beautiful evolution of things. And it shows that its leaders did not understand that the secret is not in strengthening only what stays within those walls. But in opening the doors and letting the real wealth come in.
Submitted by Valquiria Vita-Brazil
Pittsburg State University 

Original link:
http://www.isvmag.com/2017/02/breaking-down-the-walls/



Lado B_Daniel Guerra

O novo prefeito de Caxias dorme no máximo cinco horas por noite e diz que não acredita em sorte, mas, sim, em esforço


Era final da tarde de 30 de outubro, data do segundo turno das eleições para prefeito de Caxias. O candidato Daniel Guerra, 44 anos, participava da missa na igreja de São Pelegrino, com a mulher, Andrea, e a família. Todos estavam com celulares no silencioso. O celular de Guerra, inclusive, estava guardado na bolsa da mulher, no chão. 

O político sabia que, ao sair daquela missa, descobriria se havia se tornado o novo prefeito de Caxias. Qualquer que fosse o resultado, diz ele, a missa estava sendo uma hora de agradecimento por todas as experiências positivas que teve durante a campanha. “Aquele momento era uma vitória por tudo o que eu tinha vivido”, conta.

Quando a missa se encaminhava para o final, Guerra começou a escutar buzinas vindas da rua. “Mas não tinha como saber para quem estavam buzinando. Na hora dos recados finais da missa, comecei a perceber o sorriso de algumas pessoas, caras de alegria.” 

Apesar dos sorrisos, ao sair da igreja, ainda não sabia do resultado, até que notou a grande quantidade de jornalistas que o aguardavam. E a pergunta que uma delas fez a ele é capaz de emocioná-lo até hoje, um mês depois, enquanto conta a história: “Ela me olhou e disse ‘Candidato, quais são suas palavras como prefeito eleito de Caxias?’ Aquilo ali….” conta Guerra, com um olhar perdido de quem está absorto em uma memória e sem conseguir encontrar as palavras para completar a frase. 

Depois daquela pergunta, e de muitos abraços emocionados, o prefeito eleito decidiu: “Nós vamos para a prefeitura!”. E, o trajeto de São Pelegrino até o centro administrativo Guerra fez correndo — demonstrando a resistência de uma pessoa que malha três vezes por semana desde os 14 anos de idade. “Eu realmente estava com pressa para chegar lá.” 

A ideia de ir à prefeitura, e não ao comitê, surgiu porque Guerra queria que todos abraçassem o prédio simbolicamente, para mostrar que a administração pertence às pessoas, e não aos partidos. “Subir a Sinimbu e ver a vibração das pessoas, a espontaneidade. Isso foi o que mais me marcou: os olhares de esperança, mesmo sem a gente ter prometido nenhum cargo a ninguém. Foi inesquecível”.

Família do exemplo, não do discurso Inesquecível é o adjetivo usado por ele para definir toda a campanha política mais importante da vida de Guerra. Além de ter conhecido centenas de pessoas que apoiaram seu projeto, contou com o apoio de muitos que já haviam sido parte de sua trajetória. Como a professora da primeira série, por exemplo, que gravou um vídeo em que ressaltava a dedicação que ele tinha aos estudos, e o diretor do La Salle, que o aguardou no dia da votação com uma antiga ata em mãos: o documento que registrava a primeira eleição de Guerra, no primeiro ano do segundo grau, quando tornou-se presidente do Grêmio Estudantil. “A campanha foi cheia de experiências marcantes.” 

Como bem mostrou o diretor do La Salle, a veia de liderança de Guerra surgiu há muitos anos. “É uma coisa que está comigo. Se eu vejo que posso fazer algo melhor do que está sendo feito, eu não fico só dizendo. Eu tomo a frente. Sempre me coloco à disposição”, diz Guerra, contando que, diversas vezes, foi representante de classe. 

Aos 14 anos, depois de perceber que todos reclamavam do Grêmio Estudantil, decidiu que precisava fazer algo. “Fiz a lista de todos que reclamavam e montei uma chapa com essas pessoas. Me botaram de presidente, mesmo eu sendo o mais novo. Disseram ‘Tu que deu a ideia, tu vai!’ E eu disse: ‘Não tem problema!’ Ganhamos a eleição e eu assumi, aos 15 anos.” Guerra sempre foi incentivado a levar todas as responsabilidades a sério. Criado pelos pais, Léo e Ignez, é o mais novo de sete irmãos. “Nossos pais sempre nos ensinaram a ‘ter momento para tudo’. Momento do lazer, do estudo, da oração. E cada momento era destinado apenas para aquilo”, diz. “Minha família sempre foi do exemplo, não do discurso.”A casa dos Guerra estava sempre cheia, já que cada um dos sete filhos sempre levava um amigo ou dois. Um dos hábitos da família era a leitura da Bíblia, sempre após o jantar. E a missa semanal, costume que Guerra mantém até hoje — inclusive em semanas em que está muito ocupado ou quando viaja: “Até na Disney, quando levamos nossas sobrinhas, fomos na missa”, diz o político, que foi coroinha do padre Giordani (“Para tu ver como faz tempo!”), sacristão, líder do grupo de jovens e catequista. 

A espiritualidade foi o que ajudou a família a superar o momento mais difícil de todos: a morte repentina do pai, há 20 anos. “O meu pai já nos preparava que, um dia, Deus iria chamar a todos. Por isso sempre aprendemos que temos que viver o momento de agora, dizer o que queremos dizer para a pessoa quando temos a chance. Meu pai, até hoje, é meu ídolo, meu modelo. Almejo que eu possa ser pelo menos um pouco parecido com ele.”

Amor e política
Foi também a religião que fez com que ele conhecesse a atual mulher, Andrea. Os dois faziam parte do grupo de jovens da igreja de São Pelegrino. Ele tinha 17, ela 15. Viraram amigos, melhores amigos e, finalmente, namorados. Em 2002, casaram-se na mesma igreja onde se conheceram. “Não tem como não se apaixonar por ela”, conta. “Eu me apaixonei e sou um eterno apaixonado pela Andrea. Eu fui muito abençoado ao conhecê-la.” Uma das paixões que os dois dividem é pelos animais. O casal tem três cachorros: Eike, Kika e Lobo. Além de passar tempo com eles, nas horas vagas, Guerra convive com a família e pratica esportes. “Gosto muito de atividade esportiva. Sempre fui um perna de pau no futebol. Então fui para a academia. Para mim, exercício é oxigenação, é mais do que questão física, é saúde psicológica.” 

Oxigenar é importante, principalmente quando se tem um dia cheio. No caso de Guerra, esse dia começa cedo e termina tarde. “Quatro ou no máximo cinco horas de sono por noite, para mim, é suficiente. E, como sou meio elétrico, quando paro para dormir, durmo bem.”Essa característica ativa já se manifestava na juventude. Desde os 12 anos, Guerra incomodava o pai para poder trabalhar em um banco, assim como os irmãos mais velhos. Teve de esperar até os 14, aniversário que comemorou fazendo a Carteira de Trabalho. “Meu pai só queria que eu estudasse. Mas concordou, me dando um prazo de um mês para que eu largasse currículos. ‘Se eu conseguir com as minhas pernas, tu deixa?’, lembro de ter perguntado. Aí ele riu, porque não achava eu que conseguiria”, conta. 

Conseguiu. Ingressou em uma vaga para office boy e só saiu da área do mercado financeiro (onde chegou a ser um dos gerentes mais novos, aos 21 anos de idade) duas décadas depois. Na juventude, trabalhava no banco durante o dia e frequentava as aulas de Direito na UCS à noite. “Ia direto do trabalho para a faculdade, inúmeras vezes sem nem ter tempo de jantar.” Depois de 20 anos trabalhando em bancos – “Sempre troquei de instituição quando estava na melhor fase do lugar em que estava”, diz – aceitou o convite para entrar na política, como secretário do Turismo de Sartori. “Abri mão da questão financeira, de um salário, como dizia meu diretor, de seis para um, e troquei um chefe, que tinha no banco, para 500 mil chefes, que é o que teria que lidar como político.”

Depois, foi vereador duas vezes, pelo PSDB, sigla da qual foi expulso por ter ideias e posições que divergiam do partido. Hoje, faz parte do PRB.

Sobre as diferentes opiniões e críticas a ele, que sabe que são normais para qualquer figura pública, Guerra diz que o segredo é saber diferenciar as críticas construtivas dos ataques. “A construtiva eu acolho e reflito, o ataque eu nem ouço. Existe uma grande diferença entre ouvir e escutar. Sou focado no que é bom. Só dou valor ao que tem valor”, afirma, aproveitando para acrescentar o que diz ser uma de suas características: “Assim como não absorvo o ataque, não absorvo bajulação.” 

O novo prefeito de Caxias diz que impulsividade não faz parte de sua personalidade e que, antes de toda grande decisão, reflete profundamente. Foi assim ao decidir concorrer à prefeitura, será assim ao decidir assuntos importantes para o futuro da cidade. Nessa virada de ano, Guerra tem muito a refletir – e a agradecer por tudo o que conquistou em 2016, um ano de sorte ou, usando as palavras dele: “Não acredito em sorte, acredito no esforço.” 

Leia no site clicando aqui: http://migre.me/vKidi

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

LADO B Antoninho Rossi

Na juventude, o pai de Antoninho o fazia trabalhar na Rossi como forma de castigo cada vez que o garoto aprontava. Com o tempo, mais do que aprender a gostar do trabalho, ele tomou a frente do negócio da família

Por Valquíria Vita

    Poucos dias antes dessa entrevista, Antoninho Rossi, 83 anos, comentava com os amigos no Bar 13 que não tinha motivos para reclamar da vida. “Eu acho que eu tive uma vida muito feliz. Desde pequeno, sempre foi bom”, repetiu a frase que havia dito aos amigos.
    Acompanhado pela filha Eloísa, Antoninho contou as histórias de sua vida que se misturam às histórias da Livraria Rossi, negócio da família que ele aprendeu a gostar. “O pãozinho é daqui que eu tiro, eu tenho que gostar”, diz, rindo.
    “A Eloísa está aqui para me lembrar de tudo o que eu esquecer”, explicou, ao iniciarmos.
“Mas eu acho que o senhor lembra mais do que eu”, respondeu ela. Com razão. Antoninho não só lembrou de tudo, como garantiu uma série de risadas durante a conversa. “Ainda venho para a loja todos os dias. Fazer o que em casa? O maior serviço que eu tenho é conversar com a caturrita e dar comidinha para ela”.

Juventude de lazeres (e trabalho como castigo)
Conversar, não só com a caturrita, é algo que Antoninho gosta de fazer desde pequeno, época em que também ganhou o apelido que tem até hoje. Se na família era chamado de Antoninho, no colégio era conhecido como Marcos (o nome completo é Marcos Antônio Rossi).
Apesar de ter nascido em Caxias, ele iniciou os estudos em Antônio Prado, no Colégio dos Maristas. Lá, morou com a avó. “Não sei se era porque minha mãe tinha muitos filhos ou estava muito atarefada, mas eu fiquei com minha avó durante quatro anos”, conta, falando das duas irmãs, Lígia e Mariana (falecidas), e do irmão, Tito.
Após o ensino primário, Antoninho voltou a Caxias e ingressou no colégio do Carmo. “Eu me achava uma maravilha de aluno, o professor, não”, diz. “Nunca gostei muito de Português, gostava de Ciências. Principalmente quando a gente ia para o laboratório, que era uma festa”.
    Fora do colégio, jogava bola com um grupo de amigos na avenida Júlio de Castilhos, à noite. “A gente só parava de jogar quando vinha um auto”, diz, lembrando de uma época em que não eram muitos os carros que passavam pela Júlio. Além de futebol na rua, Antoninho também foi jogador de vôlei pelo Clube Cruzeiro.
    Desde cedo, o pai, Armando, que já era dono da Rossi, na época uma gráfica, colocava Antoninho no trabalho. “Quando eu fazia muita arte, causava algum problema, eu tinha que ir trabalhar”, conta. Mas o que começou como uma espécie de castigo virou, de certa forma, um prazer. “Trabalhei em todas as funções na gráfica. Eu que desenvolvi a fabricação de etiquetas e eu gostava muito.”
    Quando não estava na escola ou na Rossi, Antoninho diz que se divertia “com todos os lazeres que existiam”. Suas preferências eram cinema, “íamos muito ao cinema na época, não tinha televisão”, e os bailes. Foi num desses bailes do clube Guarany que conheceu Leda e a tirou para dançar. E com ela se casou anos mais tarde.

Um homem de família (envolvida nos negócios)
    Aos 18 anos, no entanto, um acontecimento fez com que ele desse uma pausa na vida que levava para poder servir o quartel. “Eu não queria. Arrumei até um atestado na escola dizendo que não podia sair de Caxias e o cara do quartel me olhou e disse ‘não, tu vai para lá e fim’”. E assim, junto com um grupo de jovens de Caxias, Antoninho pegou o trem até Porto Alegre, onde serviu a Polícia Especial, P.E., durante quase um ano.
    Nesse período telefonava para Leda quando podia e a visitava nos finais de semana que voltava a Caxias. Eles se casaram em 1956, na igreja de São Pelegrino, abençoados pelo padre Giordani. O sonho de Antoninho, conta Eloísa, era ter um filho homem. Mas, em vez disso, foi abençoado com quatro filhas: além de Eloísa, tiveram Denise, Henriete e Daniela. “Foi muito bom criá-las. Nunca me deram problema algum”, diz ele.
    Um momento difícil e, certamente, o mais difícil de todos, foi quando a filha mais velha, Denise, faleceu, aos 19 anos. Após anos visitando médicos que não descobriam a causa de uma dor na perna da jovem, o cardiologista de Antoninho pediu para que ele levasse a filha lá, já que sempre ouvia falar dela nas visitas do pai. E foi ele que descobriu que ela estava com um câncer, em uma época em que os tratamentos avançados não existiam.
    Todas as outras filhas trabalharam, pelo menos em algum momento, na Rossi — que hoje já está passando para o comando da quarta geração, os netos de Antoninho (bisnetos de Armando, que iniciou o negócio nos anos 20).
    O neto Marcos André Rossi hoje já toma conta da loja. Além dele, Antoninho e Leda têm outros cinco netos: Andréia, Marcela, Bruno, Luiza e Felipe. “Meu pai é super família”, conta Eloísa.

A firma (e um plano de futuro bem simples)
    Não houve um momento específico em que Antoninho decidiu que queria tomar conta do negócio da família. “Não foi uma decisão, foi algo natural, o caminho a seguir”. Deste caminho ele diz não ter arrependimentos. É claro que nem tudo deu certo nesses anos todos a frente da Rossi. “A firma teve altos e baixos, fiz alguns negócios desastrosos, mas tranquilo,” diz, contando sobre a época em que a Rossi construiu um pavilhão para começar a produzir rótulos para uma grande empresa. A empresa quebrou, e o plano da Rossi também. “Recolhemos os trapinhos que sobraram e voltamos para cá.”
Depois de algumas outras mudanças, ele e os irmãos, que eram os sócios após o falecimento do pai, decidiram separar a gráfica da livraria. E Antoninho acabou comandando a livraria. Hoje, não existe mais a parte da gráfica, apenas a da livraria, que segue bem no mercado: possui quatro lojas na cidade e 80 funcionários.
    Além do prazer de circular entre clientes, funcionários e livros, Antoninho é apaixonado por leitura. “Ele devora livros”, diz a filha. Outro lazer, que aparece logo após esse, é assistir aos jogos do Juventude. “Houve uma época em que eu tinha os companheiros de Jaconi, íamos ao campo com sol ou com chuva. Mas hoje todos já morreram.”
Ele também gosta de passar os verões em Torres, onde a família tem casa. Religioso (vai a missa todos os domingos), é muito próximo do padre Mario Pedrotti, da igreja de São Pelegrino, que também vai a Torres: “Temos conversas profundas sobre a existência de Deus.”
    Finalizando a conversa de uma forma simples e objetiva (o que parece combinar muito com sua personalidade), Antoninho tira apenas uma conclusão sobre seus planos atuais:  
“Quero apenas continuar vivendo.” 

Publicado na revista Acontece Sul, em setembro de 2016. 

 

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Não leve o Tinder tão a sério

Por Valquíria Vita
valquiria@txtconteudo.com.br

Uma pesquisa confirmou o que muita gente já sabia: o Tinder é um joguinho triste de jogar. Até concluir o óbvio, no entanto, pesquisadores de Oxford precisaram analisar 19 milhões (!) de mensagens trocadas pelo Tinder. Vamos falar em Tinder, mas pense que isso se aplica ao Happn, ao Grindr e a qualquer outro aplicativo que você, solteiro, possa estar se agarrando. Porque é tudo farinha do mesmo saco da ilusão.

A história é mais repetitiva do que assassinato em novela: você acha alguém bonitinho (veja bem que não precisa nem ser lindo, já estamos falando de gente bonitinha), dá um like, ele te dá um like de volta, vocês trocam algumas mensagens. O interessante nessas mensagens é que algumas pessoas agem como se fossem realmente íntimas umas das outras e relatam detalhes do seu dia, como se os dois ali já fossem velhos conhecidos rumo a um relacionamento sério. Mas a conversa, que parece estar fluindo tão bem, morre, sem qualquer tipo de aviso prévio, apenas alguns dias depois. E com isso, inicia-se um embate interior de quem ficou no vácuo:

“Por que será que ele não me escreveu mais?”
“Ai meu deus, será que eu não devia ter falado aquilo?”
“Será que ele olhou melhor as minhas fotos e não gostou?”
“Será que sou eu?”
“Sim, com certeza sou eu”
“Nossa, que perdedor, eu não consigo nem manter um papo no Tinder, cara, imagina na vida real!”
“Tem algo muito errado comigo, eu já sabia, isso só confirmou!”

Para.

A boa notícia nessa história toda é que se você achava que isso só acontecia com você, você achou errado. A pesquisa de Oxford mostrou que a incoerência nos aplicativos de solteiros está justamente aí: na falta de continuação das conversas. A maioria daquelas mensagens analisadas pelos pesquisadores ficou sem resposta também.

E por que? Porque quase ninguém está levando aquela conversa a sério. O Tinder é uma coisa tão rápida, tão superficial –  e tem tanta gente lá para conversar – que fica difícil mesmo manter o foco e o interesse em uma pessoa só.

O estudo comprova que não, não há nada errado com você. Isso é uma tendência geral. As conversas morrem no Happn e no Tinder, e morrem com a mesma facilidade mesmo quando migram para o Whatsapp. O desinteresse não escolhe o aplicativo. O importante é entender que isso não é nada pessoal, não é você que está fazendo nada errado. Apenas… Não leve o Tinder tão a sério!

Talvez falte lembrar que a sua noite mais legal não foi aquela que você ficou em casa dando match nos boys do Happn. E sim, aquela que, sem ter sequer planejado nada, você conheceu alguém que te ensinou, com a maior paciência do mundo, a dançar forró. Talvez te falte apenas um pouco de animação para sair da cama e conversar de verdade com pessoas que não estão atrás de um celular.


*Se você, por alguma razão, realmente encontrou uma pessoa interessante em um aplicativo de solteiros – e hoje em dia está mantendo um relacionamento SÉRIO com ela – por favor, escreva para mim e conte sua história. Adoro casos que fogem à regra.


Publicado no blog da Level Cult:
http://levelcult.com.br/1238-2/

terça-feira, 9 de agosto de 2016

A arte de cometer erros – e por que ninguém pode te impedir


Por Valquiria Vita
valquiria@txtconteudo.com.br

Sabe quando teus amigos têm um plano, e você já sabe, mesmo antes de ser concretizado, que aquilo vai dar errado? São diversas as ideias ruins. Eu seria capaz de escrever um livro somente sobre elas (grande parte, ideias minhas também). E eles te contam, porque não basta terem uma ideia ruim, eles precisam passar isso adiante. E você fica com cara de “hmmmm”, mas, na sua mente, você já foi capaz de prever tudo o que vai acontecer. E sabe que ali vai dar uma merda.

Alguns exemplos de ideias claramente ruins, baseados em tragédias reais:

“Vou tomar mais uma tequila. Não jantei, mas foda-se!”
“Vou parar com o anticoncepcional!”
“Vou morar em outro país. Não tenho um real, mas lá eu dou um jeito”
“Vou ir para Buenos Aires. De ônibus!”
“Vou abrir uma empresa com meu ex. Nos damos tão bem!”
“Vou sair para jantar com minha ex, mas nada a ver, super de boa, só para conversar mesmo”


Note que grande parte das cagadas da vida jovem envolvem fazer algo relacionado a um ex. Eu sou uma grande embaixadora da causa “Não mantenha grandes contatos com seu ex. Especialmente contatos físicos.” Se há algo que eu possa ensinar com esse texto, que seja isso. Evite dramas. Mantenha-se afastado.
A questão, e o que tenho observado nos últimos anos, é que não adianta você dizer para esse amigo que ele vai cometer um erro. Assim como você também não escuta quando alguém tenta te dizer o mesmo. Essa é a beleza das cagadas da vida. A pessoa precisa errar, precisa quebrar a cara, para depois, quem sabe, aprender. Alguns não aprendem. É preciso descer a escada da balada rolando para lembrar de nunca mais tomar mais de uma tequila sem ter jantado. É preciso passar pela maior fossa da vida para entender que você, realmente, não deveria ter namorado durante o intercâmbio, porque a separação seria inevitável.
Pense nas coisas que você, definitivamente, não faz mais. Certamente não as faz porque teve alguma experiência ruim, que você precisou viver e se foder para nunca mais querer repetir — e não porque alguém te disse que aquilo seria uma má ideia.
Uma vez eu me frustrava quando via que meus amigos não ouviam os meus conselhos (sou geminiana e tenho necessidade de ser obedecida ouvida). Mas hoje em dia adotei essa postura mais desprendida. Mesmo sabendo que sou eu quem vai ter que ir lá e emprestar o ombro pro choro quando ele cair na real, ou segurar o cabelo na hora do vômito quando aquela bebida não cair bem.
Porque amizade é isso. Amizade é estar lá para ver o erro de perto, é consolar, é segurar o cabelo.  Mesmo que, lá no fundo, enquanto você faz tudo isso,  só o que você consegue pensar é na clássica: “Eu já sabia!”

Texto publicado no blog da Level Cult: http://levelcult.com.br/a-arte-de-cometer-erros-e-por-que-ninguem-pode-te-impedir/

terça-feira, 19 de julho de 2016

RENATO ARIOTTI: Lado B, Julho


O padre, que tem o ‘servir com alegria’ como lema, já sabia 
de sua vocação ainda na infância



Por Valquíria Vita

   “O corpo de Cristo”, diz o padre, ao apresentar a hóstia aos fieis. Ele prossegue, com o cálice: “O sangue de Cristo”. A cena ocorre na década de 60, em uma casa em Bento Gonçalves, onde a hóstia é uma bolacha Maria; o vinho, Ki-Suco de uva; os fieis, as crianças do bairro; e o protagonista, um menino que imitava o ritual assistido na igreja. Era esta a brincadeira preferida de Renato Ariotti, que mostrava, desde cedo, sua vocação para ser padre.
   Simpático, entusiasmado e alegre são palavras que rapidamente definem Renato, padre na paróquia Santa Catarina, em Caxias do Sul. “O lema que escolhi para a minha vida é um trecho do Salmo 99: ‘Servir com alegria’”, conta ele, sentado em sua sala de trabalho na casa paroquial. “Passar alegria para as pessoas no mundo de hoje, com tantos problemas e dificuldades, é muito importante. Não é viver no mundo da lua: é ter os pés no chão, ao mesmo tempo em que se pode ajudar as pessoas a terem ânimo. Porque com ânimo é mais fácil sobreviver”.
   Padre Renato é do time de otimistas que conseguem ver uma luz até mesmo nas situações de dor. Este otimismo é crucial, principalmente porque ele realiza sepultamentos quase todos os dias — e é dele a função de confortar parentes e amigos com palavras.
É descenessário perguntar ao padre se ele gosta da vida que escolheu — a satisfação com o trabalho que desempenha diariamente está em suas falas e em seu olhar. A recompensa é ver essa felicidade transmitida para as outras pessoas. “Noto que as pessoas saem contentes, saem bem aqui da igreja, isso é importante para um padre.”


Uma longa trajetória 
Filho de Francisco Ariotti e Irdes Milani Ariotti, Renato nasceu em 15 de abril de 1961, em Bento Gonçalves. Além das brincadeiras de rezar missa, passava tempo com a irmã, Márcia, e com os amigos da rua. “Já tinha em meu coração esse desejo de ser padre. Quando eu tinha 14 anos, eu pegava santinhos e distribuía para os doentes no hospital”, conta o padre que, com essa idade, também aprendeu a tocar violão.
Renato frequentou a escola das irmãs do Sagrado Coração de Jesus até a oitava série. Aos 15 anos, teve de deixar Bento Gonçalves para iniciar oficialmente a busca pela carreira religiosa, no Seminário Nossa Senhora Aparecida, em Caxias. Sair de casa pela primeira vez foi muito difícil, lembra ele. Demorou até que se acostumasse sem a presença constante dos pais, da irmã e dos amigos. Mas logo, a rotina atribulada com aulas do seminário e as aulas de catequese que ministrava, amenizou a saudade de casa. Com isso, ele começou a se envolver com grupos de jovens e atividades de final de semana nas comunidades.
Renato cursou Filosofia na UCS, seguida de Teologia na PUC. “Na PUC, estudava de manhã e de tarde. E notava que, ao meio dia, tinha sempre um grupo de funcionários que ficava em baixo das árvores. Juntamente com outro colega, Hélio, eu arrumei um violão e nós começamos a ficar em baixo das árvores com eles, cantávamos e conversávamos. E os professores ficavam muito impressionados que nós conhecíamos os funcionários pelos nomes!”, relata.  
Após a ordenação, em 1986, Renato teve experiências em vários locais: trabalhou no Santuário de Caravaggio, deu aulas no Seminário Aparecida, foi promotor vocacional (visitava os jovens das paróquias para inspirá-los a se tornarem padres), atuou na Paróquia Santos Apóstolos, em Cazuza Ferreira e, atualmente, está há sete anos na paróquia Santa Catarina – comunidade que ele sabe que, daqui a algum tempo, também terá de se despedir e partir para uma próxima igreja.  
Essas despedidas são sempre cheias de emoção. Ao sair da Paróquia Santos Apóstolos, conta o padre, a comunidade de um dos bairros envolvidos, o Panazzolo, lhe presenteeou com um acordeon. “E eu fico contente porque tem três pessoas que disseram que se inspiraram em mim para aprender acordeon: o Mateus, o Gabriel e a  Poliana”, diz, mostrando as fotos dos três, que já foram seus coroinhas. “Para meu padrinho musical”, diz o autógrafo no CD de um deles, que hoje, aos 18 anos, faz parte de uma banda gaúcha.

O papeleiro Miguel, Scooby e Preta
Padre Renato e o papeleiro Miguel dos Santos nunca se conheceram, mas os dois possuem uma ligação muito forte. O momento mais marcante dos 30 anos de sacerdócio de Renato – três décadas comemoradas este ano – foi após a morte de Miguel, em 2012. Era um dia de setembro e, como de costume, a secretária lhe avisou que havia um sepultamento para aquele dia. O que chamou a atenção do padre é que se tratava de um sepultamento de um papeleiro que havia sido queimado por menores de idade. “Foi um enterro rápido e com pouca gente. A comoção era mais dos jornais, por causa da notícia, do que propriamente de quem estava ali, pois ele não tinha família”, conta. “E quando fizemos o enterro desse homem, descobrimos que ele só tinha dois amigos: os dois cachorros. E eles precisavam de adoção”, diz o padre, que levou os dois cães para viverem com ele na casa paroquial.
Os cachorros, Scooby e Preta, vivem desde 2012 no pátio da casa, em uma casinha doada pela comunidade, ao lado de um memorial criado pelo padre, onde estão expostas algumas das notícias sobre a morte do papeleiro, que virou notícia nacional. “Miguel vive”, diz o mural, próximo ao carrinho que o papeleiro costumava levar pela cidade.
“Deste limão”, diz Renato, referindo-se à situação, “saiu uma limonada”. Além de publicar um livro chamado “Miguel”, para homenagear o papeleiro e promover a cultura da paz, Renato aproximou-se de projetos da justiça restaurativa, com quem criou um movimento chamado Círculos da Paz. Além disso, aproximou-se de escolas, que trazem as crianças para visitar os cachorros e conhecer o projeto, e criou vínculos com a Soama e com os papeleiros. “Disso brotou todo esse trabalho pela paz. É uma pequena sementinha.”

“Eu celebro junto”
Plantar sementes faz parte do trabalho de um padre – o que nem sempre é simples. O maior desafio hoje, conta Renato, é conseguir levar a mensagem de Jesus em um mundo que é extremamente técnico e individualista, o oposto do que Jesus pregava. “Sinto que precisamos olhar para o outro não como concorrentes, mas como irmãos”.
Ensinamentos de Jesus fazem parte dos programas de rádio conduzidos pelo padre. Um na rádio Viva, em que dá uma bênção às 7h55 da manhã aos domingos, e outro na São Francisco, programa que apresenta há 20 anos. Todos os dias, quem sintoniza na São Francisco às 5h55 da manhã pode escutá-lo no Oração da Esperança. O programa, “feito no amor”, como diz o padre, é gravado de um pequeno estúdio no próprio quarto e enviado para a rádio. Mas nem por isso ele acorda mais tarde. “Acordo 5h45, levanto às 6h30 e faço minhas orações”, diz o padre que, no restante do dia se divide entre reuniões, aconselhamentos, conversas, celebrações, sepultamentos e missas.
Entre os lazeres, além da música, adora jogar xadrez e canastra. “E procuro caminhar sempre. Eu era mais gordinho, emagreci”, conta, tocando com as duas mãos na barriga. Além disso, muita leitura faz parte do cotidiano do padre, para garantir material para os sermões na igreja. “Tento trazer a palavra de Jesus para o dia a dia”, conta o padre que tem, entre suas influências, São Francisco, Oscar Bertoldo e Dom Paulo Moretto. Este último fez sua ordenação, o que é, até hoje, um dos momentos mais felizes da trajetória de Renato. “Outros aniversários de ordenação foram importantes também, além de batizados e casamentos que me marcaram. Eu procuro viver o momento, não só fazer a celebração por fazer. Celebro junto”, diz, acrescentando que, muitas vezes, sofre junto também. Entre os momentos mais difíceis até hoje, está o dia em que teve de realizar o sepultamento da mãe, há cinco anos. “Porque, queira ou não, ser padre é ser filho”, diz, relatando outros momentos tristes que também teve de enfrentar – mesmo assim, mantendo o otimismo: “Com a benção de Deus, eu olho para trás e digo: ‘Obrigado, Senhor! Porque em todos os momentos, a gente pode aprender algo’”.

Texto publicado na revista Acontece de Julho de 2016. 

terça-feira, 12 de julho de 2016

Empatia: Se você ainda não possui, desenvolva

Por Valquíria Vita
valquiria@txtconteudo.com.br


Nem todas as pessoas desenvolvem as mesmas qualidades. Algumas pessoas são bonitas, outras são simpáticas, outras, inteligentes, algumas, boas de cama e outras (poucas) sabem estacionar entre dois carros em um morro. O fato é que é praticamente impossível que uma pessoa possua todas essas características positivas. Se você acha que possui todas elas, provavelmente, você se acha demais. Repense.

E é super aceitável (e, inclusive, esperado) que a pessoa não seja apenas virtudes. Existe uma qualidade, no entanto, que não é intrínseca a todos os seres humanos, mas que, diferentemente de beleza e inteligência, deveria sim, fazer parte de todos nós.
Falo da empatia: capacidade de se colocar no lugar do outro, de tentar (pelo menos, tentar) compreender sentimentos e emoções da outra pessoa, ou então de apenas demonstrar interesse no outro.

Parece algo simples e óbvio, mas quanto mais conheço e convivo com pessoas, mais me convenço de que a empatia é uma característica em falta nos seres humanos.
As pessoas querem ser ouvidas. Fato. O que é normal, aliás. Mas quem quer ser ouvido, tem que saber que também precisa ouvir. É uma via de mão dupla. Caso contrário, isso se chama terapia, análise… (e a sessão custa R$ 200 a hora — porque só quem ganha bem tem saco para isso).

Todas as formas de relação, sejam elas amorosas, de amizade ou  familiares, fazem parte dessa via de duas mãos. Se não está tendo tráfego nos dois lados dessa rua, é porque algo está errado. Você tem que dar um pouco e receber um pouco (de preferência, em mesma quantidade). Princípios básicos de relacionamento, que ainda precisam ser explicados.
Portanto, não seja aquele ser auto-centrado que só sabe falar de si mesmo, que acha que todo mundo quer ouvir as suas histórias durante o jantar (na maioria das vezes, as pessoas não querem ouvir história nenhuma, sejamos francos). Não seja aquela pessoa que quando alguém pergunta “tudo bem?”, responde com um “tudo”, e, dali em diante, desata a falar sem parar, esquecendo da óbvia pergunta de volta “e tu, tudo bem também?”.

Não alugue as pessoas. Se precisar disso, ok; algumas fases da vida requerem um certo apoio psicológico dos conhecidos… em alguns momentos, precisamos mesmo ser mais ouvidos do que em outros. Mas esteja disposto a retribuir essa atenção, interesse-se pela outra pessoa de volta. Nem que você tenha que fingir este interesse, pelo menos no início. Com o tempo, a empatia virá naturalmente, e você vai ver que nem foi tão difícil assim — e que escutar as histórias dos outros pode ser tão interessante quanto dividir as suas. Quem sabe você até não encontra soluções para suas situações a partir das situações relatadas por outras pessoas?

A empatia é simples e a falta dela é uma questão ainda mais fácil de ser resolvida. Faça um esforço, nem que esse esforço seja diário, e, pelo bem da vida em sociedade, se você acha que ainda não a possui, desenvolva-a.


Texto publicado no blog da Level Cult:
http://levelcult.com.br/empatia/