segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Síndrome do Regresso_O impacto de voltar para casa depois do intercâmbio

Pode parecer loucura, mas a experiência de voltar para casa depois do intercâmbio pode ser tão intensa quanto foi a de sair de casa para viajar. Intensa, infelizmente, neste caso, não necessariamente significa boa.
O problema é tão sério que já está sendo chamado de Síndrome do Regresso. Sabe-se que enquanto o período para se adaptar em um novo país é de seis meses, o tempo para se reacostumar com o país de origem pode levar até dois anos. Mas calma. Eu superei essa síndrome bravamente duas vezes (em menos de dois anos), e, assim como eu, milhares e milhares de jovens brasileiros que tiveram de retornar às suas casas também sucederam.
Existe uma teoria, chamada Cultural Adjustment Curve, que explica que quando um intercambista chega no país novo ele passa por vários altos e baixos. O curioso é que o mesmo gráfico se aplica na volta para casa, afinal, você está se readaptando a uma cultura (mesmo que seja uma que você antes já conhecia e dominava). O mesmo processo ocorre da seguinte forma: primeiro a excitação, aquela fase em que você está muito empolgado para rever família, amigos, cachorros e comer a comida da sua mãe. Depois que o sentimento excitante da novidade passa, no entanto, começa a queda, a sensação de “ok, não quero mais brincar disso, posso voltar para os EUA agora?”. Os amigos já voltaram a estar ocupados e, em casa, já nem fazem comida tão especial assim para você.
Mas toda a queda tem um final, certo? Depois de atingir o “rock bottom”, como dizem os americanos, a tendência é que se inicie uma subida, e você, aos poucos, vai se reacostumando, vamos dizer, com a vida antiga.
O segredo é não entrar em desespero e não esquecer uma premissa muito importante (premissa, alías, que você pode levar para a vida em geral, na minha opinião): “Life only moves forward”, ou seja, a vida só anda para frente. Por mais linda e fantástica que foi sua experiência de morar fora, não faz sentido se apegar a ela a ponto de não conseguir tocar a sua vida de volta a seu país de origem.
Pense em voltar para casa como apenas mais um dos desafios do processo (que, como sabemos, os desafios começaram lá quando você estava tentanto empacotar sua vida em duas malas para vajar - ninguém disse que eles terminariam quando você voltasse pra casa e abrisse as malas).
O intercâmbio não acaba quando você volta para casa. Por meses (para algumas pessoas, anos) as lembranças daquele país vão acompanhá-la muito intensamente no seu novo dia a dia no Brasil. Algumas coisas que não te irritavam antes, na volta para casa começam a irritar, outras, não parecem mais ter tanta graça quanto tinham antes de você viajar.
Três coisas me incomodaram quando voltei para casa. A primeira delas foi a sensação de que eu havia perdido muita coisa. Alguns amigos tinham casado, outros tiveram bebês, minha prima cresceu e começou a falar. De alguma forma, eu me sentia injustiçada por ter perdido esses acontecimentos, mesmo sabendo que seria impossível ter estado lá e aqui ao mesmo tempo.
A segunda coisa que me incomodou foi justamente o sentimento contrário deste: a sensação de que tudo continuava exatamente igual. Percebia que minha família brigava pelos mesmos problemas que brigava antes (meus pais discutem diariamente pelo prato de salada há anos), que meus amigos conversavam sobre os mesmos assuntos, que os jornais davam as mesmas notícias sobre os mesmos problemas das mesmas ruas da mesma cidade. E, dentro de mim, tanta coisa tinha mudado que era muito difícil lidar com o fato de que isso não tinha acontecido com mais ninguém do meu convívio.
Finalmente, o mais difícil de lidar foi o fato de que ninguém realmente parecia se importar. Explico: desembarquei no Brasil pela primeira vez em 2013 emocionadíssima, cheia de novidades e histórias pra contar, além de muitas fotos para mostrar. E aqui, ninguém me perguntava quase nada! Quando perguntavam, era um “eai, como foi lá?”, uma pergunta tão vaga que um “foi bem legal” bastava para suprir a questão que provavelmente havia sido feita apenas por educação. Eu sentia como se tivesse tido uma vida totalmente diferente nos Estados Unidos, como se lá eu tivesse sido uma outra pessoa, e, chegando aqui, eu tive que dar tchau não apenas para o país americano mas também para aquela pessoa (que era uma pessoa bem legal, aliás). E isso doeu muito.
Sem saber lidar com todas essas frustrações, minha saída foi manter longos períodos de silêncio (e quem me conhece sabe o quanto isso é raro). Como eu sentia que quase ninguém se importava muito, eu comecei a parar de falar do intercâmbio. E durante vários encontros sociais eu adotava a cara de paisagem e nada falava. MInha mente, no entanto, nunca estava presente. Continuei chateada por vários meses com as pessoas por não se importarem com o que eu tinha vivido. E aqui, meus queridos leitores, é a parte que eu digo que eu não soube lidar bem enquanto passava pela Síndrome do Regresso. Porque esses sentimentos ruins só faziam mal a mim. E eu cheguei a passar por dias de tristeza e nostalgia tão intensas que comecei a pensar que não queria ter feito aquela viagem, só pra não ter que encarar tamanha fossa depois. Sim, hoje eu vejo que isso foi um sentimento covarde, tão covarde e estúpido quanto não querer se apaixonar por medo de se machucar no final do relacionamento.
Mas antes que você comece a pensar que a situação é pior do que realmente é, apresso-me a escrever que na segunda vez que voltei para casa do intercâmbio (já mais velha e sabendo o que me aguardava), em 2015, desembarquei de volta a Porto Alegre sem pretensão alguma. Apenas tinha dentro de mim a certeza de que havia vivido tudo o que queria viver, que havia feito amizades maravilhosas e visto lugares incríveis. E que isso realmente não importava a ninguém mais que não a mim.
Então a segunda volta foi linda e perfeita? Não. Mas aceitando algumas verdades (e diminuindo algumas expectativas em relação às pessoas), ficou muito mais fácil encarar a nova vida de volta para casa. E aqui, peço licença para citar Phil Dunphy, o personagem de uma série que adoro, Modern Family: “As coisas mais maravilhosas vão acontecer com você. Se você apenas baixar suas expectativas.”
Brincadeiras à parte, minha segunda volta foi muito, mas muito, mais tranquila (e bem menos triste). Passei apenas algumas noites sonhando com Pittsburg e acordando decepcionada por ter sido só um sonho, mas os pesadelos foram diminuindo gradativamente, assim como o sentimento ruim que os acompanhava.
O importante, intercambistas, é saber que é absolutamente normal levar um certo choque ao voltar para casa depois de uma viagem. Afinal, você passou por um período vivendo coisas extremamente diferentes das que estava acostumado, com outras pessoas, outro lugar, outra comida, outro clima, outra língua! O estranho seria se não houvesse um choque, né?

Portanto aí vão algumas dicas simples que podem te ajudar neste momento:

Número 1. Ocupe-se. Uma rotina agitada faz toda a diferença.
Número 2. Se mesmo depois de muitos meses de fossa, você ainda sentir que quer voltar (e tiver condições para isso), volte. Eu fiz isso e acabei tendo uma segunda experiência nos EUA ainda melhor que a primeira. Mas mantenha em mente um detalhe muito importante: você nunca viverá a mesma coisa duas vezes. No segundo intercâmbio, as pessoas serão outras e as vivências também. Just keep that in mind.
Número 3. “Saudade é o imposto que a vida cobra de quem foi muito feliz durante um determinado momento”, dizem. Eu hoje tenho nas fotos espalhadas pelo meu quarto (e em uma tatuagem no braço) o quanto fui feliz nas duas viagens para fora do Brasil. 
Só esse sentimento é suficiente para me fazer sentir gratidão até mesmo nos dias em que estou mais desanimada. Isso não é viver de passado, mas sim saber que todas as experiências que passei fizeram com que eu me tornasse uma pessoa muito mais feliz (e corajosa). E isso, pra mim, até hoje, faz toda a diferença.



Galera de Pittsburg que voltou para seus respectivos países em Maio deste ano, assim como eu. 




Se você por acaso já passou por algo semelhante ao que descrevi, caiu nesse blog por acaso, gostaria de compartilhar a tua história também, ou só quer dar um oi, me escreve (valquiria.vita@gmail.com), que o teu relato pode ajudar na pesquisa que estou fazendo sobre intercambistas =) 

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