terça-feira, 19 de julho de 2016

RENATO ARIOTTI: Lado B, Julho


O padre, que tem o ‘servir com alegria’ como lema, já sabia 
de sua vocação ainda na infância



Por Valquíria Vita

   “O corpo de Cristo”, diz o padre, ao apresentar a hóstia aos fieis. Ele prossegue, com o cálice: “O sangue de Cristo”. A cena ocorre na década de 60, em uma casa em Bento Gonçalves, onde a hóstia é uma bolacha Maria; o vinho, Ki-Suco de uva; os fieis, as crianças do bairro; e o protagonista, um menino que imitava o ritual assistido na igreja. Era esta a brincadeira preferida de Renato Ariotti, que mostrava, desde cedo, sua vocação para ser padre.
   Simpático, entusiasmado e alegre são palavras que rapidamente definem Renato, padre na paróquia Santa Catarina, em Caxias do Sul. “O lema que escolhi para a minha vida é um trecho do Salmo 99: ‘Servir com alegria’”, conta ele, sentado em sua sala de trabalho na casa paroquial. “Passar alegria para as pessoas no mundo de hoje, com tantos problemas e dificuldades, é muito importante. Não é viver no mundo da lua: é ter os pés no chão, ao mesmo tempo em que se pode ajudar as pessoas a terem ânimo. Porque com ânimo é mais fácil sobreviver”.
   Padre Renato é do time de otimistas que conseguem ver uma luz até mesmo nas situações de dor. Este otimismo é crucial, principalmente porque ele realiza sepultamentos quase todos os dias — e é dele a função de confortar parentes e amigos com palavras.
É descenessário perguntar ao padre se ele gosta da vida que escolheu — a satisfação com o trabalho que desempenha diariamente está em suas falas e em seu olhar. A recompensa é ver essa felicidade transmitida para as outras pessoas. “Noto que as pessoas saem contentes, saem bem aqui da igreja, isso é importante para um padre.”


Uma longa trajetória 
Filho de Francisco Ariotti e Irdes Milani Ariotti, Renato nasceu em 15 de abril de 1961, em Bento Gonçalves. Além das brincadeiras de rezar missa, passava tempo com a irmã, Márcia, e com os amigos da rua. “Já tinha em meu coração esse desejo de ser padre. Quando eu tinha 14 anos, eu pegava santinhos e distribuía para os doentes no hospital”, conta o padre que, com essa idade, também aprendeu a tocar violão.
Renato frequentou a escola das irmãs do Sagrado Coração de Jesus até a oitava série. Aos 15 anos, teve de deixar Bento Gonçalves para iniciar oficialmente a busca pela carreira religiosa, no Seminário Nossa Senhora Aparecida, em Caxias. Sair de casa pela primeira vez foi muito difícil, lembra ele. Demorou até que se acostumasse sem a presença constante dos pais, da irmã e dos amigos. Mas logo, a rotina atribulada com aulas do seminário e as aulas de catequese que ministrava, amenizou a saudade de casa. Com isso, ele começou a se envolver com grupos de jovens e atividades de final de semana nas comunidades.
Renato cursou Filosofia na UCS, seguida de Teologia na PUC. “Na PUC, estudava de manhã e de tarde. E notava que, ao meio dia, tinha sempre um grupo de funcionários que ficava em baixo das árvores. Juntamente com outro colega, Hélio, eu arrumei um violão e nós começamos a ficar em baixo das árvores com eles, cantávamos e conversávamos. E os professores ficavam muito impressionados que nós conhecíamos os funcionários pelos nomes!”, relata.  
Após a ordenação, em 1986, Renato teve experiências em vários locais: trabalhou no Santuário de Caravaggio, deu aulas no Seminário Aparecida, foi promotor vocacional (visitava os jovens das paróquias para inspirá-los a se tornarem padres), atuou na Paróquia Santos Apóstolos, em Cazuza Ferreira e, atualmente, está há sete anos na paróquia Santa Catarina – comunidade que ele sabe que, daqui a algum tempo, também terá de se despedir e partir para uma próxima igreja.  
Essas despedidas são sempre cheias de emoção. Ao sair da Paróquia Santos Apóstolos, conta o padre, a comunidade de um dos bairros envolvidos, o Panazzolo, lhe presenteeou com um acordeon. “E eu fico contente porque tem três pessoas que disseram que se inspiraram em mim para aprender acordeon: o Mateus, o Gabriel e a  Poliana”, diz, mostrando as fotos dos três, que já foram seus coroinhas. “Para meu padrinho musical”, diz o autógrafo no CD de um deles, que hoje, aos 18 anos, faz parte de uma banda gaúcha.

O papeleiro Miguel, Scooby e Preta
Padre Renato e o papeleiro Miguel dos Santos nunca se conheceram, mas os dois possuem uma ligação muito forte. O momento mais marcante dos 30 anos de sacerdócio de Renato – três décadas comemoradas este ano – foi após a morte de Miguel, em 2012. Era um dia de setembro e, como de costume, a secretária lhe avisou que havia um sepultamento para aquele dia. O que chamou a atenção do padre é que se tratava de um sepultamento de um papeleiro que havia sido queimado por menores de idade. “Foi um enterro rápido e com pouca gente. A comoção era mais dos jornais, por causa da notícia, do que propriamente de quem estava ali, pois ele não tinha família”, conta. “E quando fizemos o enterro desse homem, descobrimos que ele só tinha dois amigos: os dois cachorros. E eles precisavam de adoção”, diz o padre, que levou os dois cães para viverem com ele na casa paroquial.
Os cachorros, Scooby e Preta, vivem desde 2012 no pátio da casa, em uma casinha doada pela comunidade, ao lado de um memorial criado pelo padre, onde estão expostas algumas das notícias sobre a morte do papeleiro, que virou notícia nacional. “Miguel vive”, diz o mural, próximo ao carrinho que o papeleiro costumava levar pela cidade.
“Deste limão”, diz Renato, referindo-se à situação, “saiu uma limonada”. Além de publicar um livro chamado “Miguel”, para homenagear o papeleiro e promover a cultura da paz, Renato aproximou-se de projetos da justiça restaurativa, com quem criou um movimento chamado Círculos da Paz. Além disso, aproximou-se de escolas, que trazem as crianças para visitar os cachorros e conhecer o projeto, e criou vínculos com a Soama e com os papeleiros. “Disso brotou todo esse trabalho pela paz. É uma pequena sementinha.”

“Eu celebro junto”
Plantar sementes faz parte do trabalho de um padre – o que nem sempre é simples. O maior desafio hoje, conta Renato, é conseguir levar a mensagem de Jesus em um mundo que é extremamente técnico e individualista, o oposto do que Jesus pregava. “Sinto que precisamos olhar para o outro não como concorrentes, mas como irmãos”.
Ensinamentos de Jesus fazem parte dos programas de rádio conduzidos pelo padre. Um na rádio Viva, em que dá uma bênção às 7h55 da manhã aos domingos, e outro na São Francisco, programa que apresenta há 20 anos. Todos os dias, quem sintoniza na São Francisco às 5h55 da manhã pode escutá-lo no Oração da Esperança. O programa, “feito no amor”, como diz o padre, é gravado de um pequeno estúdio no próprio quarto e enviado para a rádio. Mas nem por isso ele acorda mais tarde. “Acordo 5h45, levanto às 6h30 e faço minhas orações”, diz o padre que, no restante do dia se divide entre reuniões, aconselhamentos, conversas, celebrações, sepultamentos e missas.
Entre os lazeres, além da música, adora jogar xadrez e canastra. “E procuro caminhar sempre. Eu era mais gordinho, emagreci”, conta, tocando com as duas mãos na barriga. Além disso, muita leitura faz parte do cotidiano do padre, para garantir material para os sermões na igreja. “Tento trazer a palavra de Jesus para o dia a dia”, conta o padre que tem, entre suas influências, São Francisco, Oscar Bertoldo e Dom Paulo Moretto. Este último fez sua ordenação, o que é, até hoje, um dos momentos mais felizes da trajetória de Renato. “Outros aniversários de ordenação foram importantes também, além de batizados e casamentos que me marcaram. Eu procuro viver o momento, não só fazer a celebração por fazer. Celebro junto”, diz, acrescentando que, muitas vezes, sofre junto também. Entre os momentos mais difíceis até hoje, está o dia em que teve de realizar o sepultamento da mãe, há cinco anos. “Porque, queira ou não, ser padre é ser filho”, diz, relatando outros momentos tristes que também teve de enfrentar – mesmo assim, mantendo o otimismo: “Com a benção de Deus, eu olho para trás e digo: ‘Obrigado, Senhor! Porque em todos os momentos, a gente pode aprender algo’”.

Texto publicado na revista Acontece de Julho de 2016. 

terça-feira, 12 de julho de 2016

Empatia: Se você ainda não possui, desenvolva

Por Valquíria Vita
valquiria@txtconteudo.com.br


Nem todas as pessoas desenvolvem as mesmas qualidades. Algumas pessoas são bonitas, outras são simpáticas, outras, inteligentes, algumas, boas de cama e outras (poucas) sabem estacionar entre dois carros em um morro. O fato é que é praticamente impossível que uma pessoa possua todas essas características positivas. Se você acha que possui todas elas, provavelmente, você se acha demais. Repense.

E é super aceitável (e, inclusive, esperado) que a pessoa não seja apenas virtudes. Existe uma qualidade, no entanto, que não é intrínseca a todos os seres humanos, mas que, diferentemente de beleza e inteligência, deveria sim, fazer parte de todos nós.
Falo da empatia: capacidade de se colocar no lugar do outro, de tentar (pelo menos, tentar) compreender sentimentos e emoções da outra pessoa, ou então de apenas demonstrar interesse no outro.

Parece algo simples e óbvio, mas quanto mais conheço e convivo com pessoas, mais me convenço de que a empatia é uma característica em falta nos seres humanos.
As pessoas querem ser ouvidas. Fato. O que é normal, aliás. Mas quem quer ser ouvido, tem que saber que também precisa ouvir. É uma via de mão dupla. Caso contrário, isso se chama terapia, análise… (e a sessão custa R$ 200 a hora — porque só quem ganha bem tem saco para isso).

Todas as formas de relação, sejam elas amorosas, de amizade ou  familiares, fazem parte dessa via de duas mãos. Se não está tendo tráfego nos dois lados dessa rua, é porque algo está errado. Você tem que dar um pouco e receber um pouco (de preferência, em mesma quantidade). Princípios básicos de relacionamento, que ainda precisam ser explicados.
Portanto, não seja aquele ser auto-centrado que só sabe falar de si mesmo, que acha que todo mundo quer ouvir as suas histórias durante o jantar (na maioria das vezes, as pessoas não querem ouvir história nenhuma, sejamos francos). Não seja aquela pessoa que quando alguém pergunta “tudo bem?”, responde com um “tudo”, e, dali em diante, desata a falar sem parar, esquecendo da óbvia pergunta de volta “e tu, tudo bem também?”.

Não alugue as pessoas. Se precisar disso, ok; algumas fases da vida requerem um certo apoio psicológico dos conhecidos… em alguns momentos, precisamos mesmo ser mais ouvidos do que em outros. Mas esteja disposto a retribuir essa atenção, interesse-se pela outra pessoa de volta. Nem que você tenha que fingir este interesse, pelo menos no início. Com o tempo, a empatia virá naturalmente, e você vai ver que nem foi tão difícil assim — e que escutar as histórias dos outros pode ser tão interessante quanto dividir as suas. Quem sabe você até não encontra soluções para suas situações a partir das situações relatadas por outras pessoas?

A empatia é simples e a falta dela é uma questão ainda mais fácil de ser resolvida. Faça um esforço, nem que esse esforço seja diário, e, pelo bem da vida em sociedade, se você acha que ainda não a possui, desenvolva-a.


Texto publicado no blog da Level Cult:
http://levelcult.com.br/empatia/

Diminuindo as expectativas e se decepcionando muito menos

Por Valquíria Vita
valquiria.vita@gmail.com

Quando eu era repórter de jornal, tive que fazer uma pauta sobre índios. Li muito, pesquisei, assisti documentários, fiz de tudo para chegar na pauta super preparada para entrevistá-los. Fiquei sabendo de uma tribo perto da minha cidade e, com a maior empolgação que uma repórter de 22 anos poderia ter, fui até lá, bem feliz, com meu bloquinho e caneta.
Minha ideia era ver como viviam os índios hoje, conversar com eles e aprender algumas coisas que toda aquela pesquisa certamente não tinha me ensinado. Minha expectativa era alta, não vou negar. Me imaginava tipo Gloria Maria, quando se aventura por uma tribo ou uma região desconhecida, e sai de lá uma nova pessoa, com a alma renovada, feliz, com pinturas no rosto e tatuagens nos braços.
A realidade, claro, foi bem menos glamurosa. Chegando na tribo, me deparo com um carro. Um carro, gente. Não era exatamente o que eu esperava encontrar... De dentro do carro, emanava, em volume altíssimo, aquela música “Sexy Bitch”, do Akon e David Guetta — “nothing you can compare to your neighborhood hoe, I'm trying to find the words to describe this girl without being disrespectfuuuuul”...
Queria que o fotógrafo que me acompanhava tivesse tirado uma foto da minha cara naquele momento, porque certamente aquele seria o retrato da decepção. E eu teria revelado a foto e colocado na parede, para me lembrar de nunca mais elevar as expectativas tanto assim.
A a situação “carro de som” contribuiu para mostrar que a ideia que as pessoas ainda tinham sobre os índios não correspondia à realidade. Mas a maior lição que tirei daquilo tudo foi sobre altas expectativas.
Tenho observado algumas pessoas, que, assim como eu, são extremamente imaginativas, sonhadoras e, logicamente, vivem quebrando a cara. Sempre acham que a coisa vai ser muito mais emocionante do que ela realmente é. Isso deve ser mais comum em quem assiste bastante filme, só pode.
Outro dia, conversando com umas meninas na academia, falávamos de conhecidos que não víamos há tempos, e o papo era só “ah, fulana está decepcionado com a vida”, “fulano está meio deprê com a profissão…” Até que uma das meninas, super realística, disse: “Mas o que que esse povo achava que a vida ia ser? A vida é isso aí mesmo, pessoal!”. Achei essa simples frase de uma genialidade imensa.
Por uma série de motivos (sejam eles coisas que vemos nos filmes, nas séries ou algo que outras pessoas possam ter nos falado) temos uma expectativa altíssima em relação às coisas, ao futuro. Principalmente quando a gente está na escola e na faculdade. Meu deus, como a gente sonha quando está nessa época! Parece que, logo no dia seguinte à formatura, a vida se encarrega de te jogar na cara um balde tão grande de água fria, que algumas pessoas ficam até meio desnorteadas. 





O segredo é justamente não ficar desnorteado por muito tempo e se recuperar desse balde — e dos outros 2 mil que vão te jogar ao longo do tempo — e partir para a próxima. Qualquer que seja a sua expectativa, seja ela em relação ao trabalho, às amizades, ao namoro, à vida de solteiro... tudo aquilo que você imaginava que seria uma coisa fantástica, mas que, no dia a dia, se revelou ser bem menos do que isso… esteja preparado para algumas surpresas. E para aceitar diferentes realidades daquela que você esperava.  
Lembre sempre que, apesar do que as redes sociais podem estar mostrando, está todo mundo na mesma situação, todo mundo quebrando a cara frequentemente. E a vida é isso aí mesmo. Não é exatamente aquilo que te disseram que seria… Mas tudo bem! Não desanima, não. Quando você aceitar isso, vai estar mais preparado para enfrentar com bom humor tudo o que vier, até mesmo tribos indígenas ouvindo Sexy Bitch.