Por Valquíria Vita
Poucos
dias antes dessa entrevista, Antoninho Rossi, 83 anos, comentava com os
amigos no Bar 13 que não tinha motivos para reclamar da vida. “Eu acho
que eu tive uma vida muito feliz. Desde pequeno, sempre foi bom”,
repetiu a frase que havia dito aos amigos.
Acompanhado
pela filha Eloísa, Antoninho contou as histórias de sua vida que se
misturam às histórias da Livraria Rossi, negócio da família que ele
aprendeu a gostar. “O pãozinho é daqui que eu tiro, eu tenho que
gostar”, diz, rindo.
“A Eloísa está aqui para me lembrar de tudo o que eu esquecer”, explicou, ao iniciarmos.
“Mas
eu acho que o senhor lembra mais do que eu”, respondeu ela. Com razão.
Antoninho não só lembrou de tudo, como garantiu uma série de risadas
durante a conversa. “Ainda venho para a loja todos os dias. Fazer o que
em casa? O maior serviço que eu tenho é conversar com a caturrita e dar
comidinha para ela”.
Juventude de lazeres (e trabalho como castigo)
Conversar,
não só com a caturrita, é algo que Antoninho gosta de fazer desde
pequeno, época em que também ganhou o apelido que tem até hoje. Se na
família era chamado de Antoninho, no colégio era conhecido como Marcos
(o nome completo é Marcos Antônio Rossi).
Apesar
de ter nascido em Caxias, ele iniciou os estudos em Antônio Prado, no
Colégio dos Maristas. Lá, morou com a avó. “Não sei se era porque minha
mãe tinha muitos filhos ou estava muito atarefada, mas eu fiquei com
minha avó durante quatro anos”, conta, falando das duas irmãs, Lígia e
Mariana (falecidas), e do irmão, Tito.
Após
o ensino primário, Antoninho voltou a Caxias e ingressou no colégio do
Carmo. “Eu me achava uma maravilha de aluno, o professor, não”, diz.
“Nunca gostei muito de Português, gostava de Ciências. Principalmente
quando a gente ia para o laboratório, que era uma festa”.
Fora
do colégio, jogava bola com um grupo de amigos na avenida Júlio de
Castilhos, à noite. “A gente só parava de jogar quando vinha um auto”,
diz, lembrando de uma época em que não eram muitos os carros que
passavam pela Júlio. Além de futebol na rua, Antoninho também foi
jogador de vôlei pelo Clube Cruzeiro.
Desde
cedo, o pai, Armando, que já era dono da Rossi, na época uma gráfica,
colocava Antoninho no trabalho. “Quando eu fazia muita arte, causava
algum problema, eu tinha que ir trabalhar”, conta. Mas o que começou
como uma espécie de castigo virou, de certa forma, um prazer. “Trabalhei
em todas as funções na gráfica. Eu que desenvolvi a fabricação de
etiquetas e eu gostava muito.”
Quando
não estava na escola ou na Rossi, Antoninho diz que se divertia “com
todos os lazeres que existiam”. Suas preferências eram cinema, “íamos
muito ao cinema na época, não tinha televisão”, e os bailes. Foi num
desses bailes do clube Guarany que conheceu Leda e a tirou para dançar. E
com ela se casou anos mais tarde.
Um homem de família (envolvida nos negócios)
Aos
18 anos, no entanto, um acontecimento fez com que ele desse uma pausa
na vida que levava para poder servir o quartel. “Eu não queria. Arrumei
até um atestado na escola dizendo que não podia sair de Caxias e o cara
do quartel me olhou e disse ‘não, tu vai para lá e fim’”. E assim, junto
com um grupo de jovens de Caxias, Antoninho pegou o trem até Porto
Alegre, onde serviu a Polícia Especial, P.E., durante quase um ano.
Nesse
período telefonava para Leda quando podia e a visitava nos finais de
semana que voltava a Caxias. Eles se casaram em 1956, na igreja de São
Pelegrino, abençoados pelo padre Giordani. O sonho de Antoninho, conta
Eloísa, era ter um filho homem. Mas, em vez disso, foi abençoado com
quatro filhas: além de Eloísa, tiveram Denise, Henriete e Daniela. “Foi
muito bom criá-las. Nunca me deram problema algum”, diz ele.
Um
momento difícil e, certamente, o mais difícil de todos, foi quando a
filha mais velha, Denise, faleceu, aos 19 anos. Após anos visitando
médicos que não descobriam a causa de uma dor na perna da jovem, o
cardiologista de Antoninho pediu para que ele levasse a filha lá, já que
sempre ouvia falar dela nas visitas do pai. E foi ele que descobriu que
ela estava com um câncer, em uma época em que os tratamentos avançados
não existiam.
Todas
as outras filhas trabalharam, pelo menos em algum momento, na Rossi —
que hoje já está passando para o comando da quarta geração, os netos de
Antoninho (bisnetos de Armando, que iniciou o negócio nos anos 20).
O
neto Marcos André Rossi hoje já toma conta da loja. Além dele,
Antoninho e Leda têm outros cinco netos: Andréia, Marcela, Bruno, Luiza e
Felipe. “Meu pai é super família”, conta Eloísa.
A firma (e um plano de futuro bem simples)
Não
houve um momento específico em que Antoninho decidiu que queria tomar
conta do negócio da família. “Não foi uma decisão, foi algo natural, o
caminho a seguir”. Deste caminho ele diz não ter arrependimentos. É
claro que nem tudo deu certo nesses anos todos a frente da Rossi. “A
firma teve altos e baixos, fiz alguns negócios desastrosos, mas
tranquilo,” diz, contando sobre a época em que a Rossi construiu um
pavilhão para começar a produzir rótulos para uma grande empresa. A
empresa quebrou, e o plano da Rossi também. “Recolhemos os trapinhos que
sobraram e voltamos para cá.”
Depois
de algumas outras mudanças, ele e os irmãos, que eram os sócios após o
falecimento do pai, decidiram separar a gráfica da livraria. E Antoninho
acabou comandando a livraria. Hoje, não existe mais a parte da gráfica,
apenas a da livraria, que segue bem no mercado: possui quatro lojas na
cidade e 80 funcionários.
Além
do prazer de circular entre clientes, funcionários e livros, Antoninho é
apaixonado por leitura. “Ele devora livros”, diz a filha. Outro lazer,
que aparece logo após esse, é assistir aos jogos do Juventude. “Houve
uma época em que eu tinha os companheiros de Jaconi, íamos ao campo com
sol ou com chuva. Mas hoje todos já morreram.”
Ele
também gosta de passar os verões em Torres, onde a família tem casa.
Religioso (vai a missa todos os domingos), é muito próximo do padre
Mario Pedrotti, da igreja de São Pelegrino, que também vai a Torres:
“Temos conversas profundas sobre a existência de Deus.”
Finalizando
a conversa de uma forma simples e objetiva (o que parece combinar muito
com sua personalidade), Antoninho tira apenas uma conclusão sobre seus
planos atuais:
“Quero apenas continuar vivendo.”
Publicado na revista Acontece Sul, em setembro de 2016.