sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Lado B - Luiza Horn Iotti

Perfil publicado na Revista Acontece em Agosto de 2014. 

Link original aqui 



Por Valquíria Vitta

Influenciada por uma grande professora, a jovem que queria estudar arquitetura em Porto Alegre virou uma conceituada historiadora de Caxias

As bonecas que Luiza Horn Iotti ganhava dos pais quando criança teriam ficado intactas – se não fosse pelo fato de que seus três irmãos mais novos, Leon, Eduardo e Carlos Henrique, adoravam aprontar com elas. Luiza não se interessava nem um pouco pelas bonecas. Também não conseguia se sentir à vontade nas aulas que seus pais a matricularam, tentando dar a ela uma educação diferenciada da dos irmãos. Enquanto Luiza dançava ballet na Dora, os meninos jogavam futebol. Enquanto ela aprendia a tocar piano, eles se divertiam descendo morros com carrinhos de lomba. “Eu preferia muito mais as brincadeiras de menino, subir em árvore, ficar na rua. Boneca e piano não eram pra mim.”
A solução foi matar toda essa vontade de brincar na rua com um grupo de amigos da Alfredo Chaves, rua onde morava. As crianças ficavam até muito tarde brincando ao ar livre – vantagem permitida pela tranquilidade do Centro de Caxias na década de 60.
O fato é que a menina espoleta que vivia ao redor dos meninos acabou se tornando uma ótima aluna na escola.  Começou a ler e escrever aos quatro anos de idade, antes mesmo de entrar no colégio, e, durante todo o período em que estudou, se mostrou uma estudante muito aplicada. Gostou tanto de ler que decidiu que queria ensinar, e acabou virando professora. Hoje, aos 57 anos de idade, Luiza já tem mais de três décadas de experiência em sala de aula, vários anos de pesquisa acadêmica e quatro livros lançados, além de estar à frente do Instituto Memória Histórica e Cultural da Universidade de Caxias do Sul.
Luiza nasceu em 23 de outubro de 1957 e é a filha mais velha de Silvestre Iotti e Zoé Maria Horn Iotti. Quando criança, tinha duas amigas inseparáveis, com as quais mantém a amizade até hoje: Eveline Corsetti e Taísa Menegotto. As meninas passavam muito tempo na empresa de uma tia de Luiza, Cora Kunz, e foi lá que, muito cedo, ela conheceu as letras e as palavras. Luiza aprendeu a ler e a escrever observando um funcionário gravá-las nas caixas que embalavam os produtos.
Os pais de Luiza conseguiram que a menina entrasse na primeira série do colégio Presidente Vargas, aos cinco anos, após passar por um exame. Depois, Luiza frequentou a Escola Normal Duque de Caxias e o Cristóvão Mendonza. Não fez Magistério porque diz que a ideia de dar aula, na época, definitivamente não a atraía. “A minha mãe era professora e eu não queria isso de jeito nenhum. Eu via ela dando aula e sempre achava que fosse uma profissão difícil e pouco valorizada.”
Quando prestou vestibular, Luiza colocou arquitetura como primeira opção – história era a quarta. Sair de Caxias (e ganhar a liberdade do pai) era o desejo mais forte de Luiza – bem mais forte, pelo menos, do que a vontade de cursar arquitetura. “Eu queria ir a Porto Alegre, esse era o meu sonho.” Quando Luiza recebeu a notícia de que havia passado no vestibular, correu para a festa dos bixos na mesma hora. “Quando eu vi meu nome na lista dos aprovados eu fiquei super feliz,” conta. Na empolgação, no entanto, esqueceu-se de conferir para qual de suas opções havia sido aprovada. E foi somente depois da festa que ela descobriu que, ao invés de arquitetura em Porto Alegre, havia sido selecionada para cursar história em Caxias. “Eu sentei na calçada e chorei. Para mim, aquilo era tudo de ruim. Fui para casa muito triste e todos me davam parabéns. E eu preferia estar recebendo os pêsames.”
Passada a choradeira, os pais conseguiram convencê-la a ingressar na faculdade de história e cursar pelo menos um semestre – depois, o combinado era que ela poderia prestar vestibular novamente e abraçar mais uma vez a chance de ser livre em Porto Alegre, longe dos pais.
Dizem que os professores de faculdade influenciam a vida dos alunos. No caso de Luiza, isso não apenas foi verdade, como a influência de uma de suas professoras garantiu que ela tomasse o rumo que tomou. A aula era História do Brasil e a professora era Loraine Slomp Giron. Luiza, sem a menor pretensão de tornar-se historiadora, acabou descobrindo-se naquela aula uma apaixonada pela história. “Eu adorei. As aulas da Loraine eram polêmicas, ela nos fazia ter um outro olhar sobre a História. Eu aprendi que não existe uma verdade absoluta, que é fundamental conhecer a historiografia.”
Antes mesmo de terminar a graduação – a formatura na UCS em Licenciatura Plena em História foi em 1978 – Luiza já estava seguindo a profissão que, quando pequena, achava que nunca seguiria: era professora na Escola Estadual Ismael Chaves Barcellos, em Galópolis. Depois, de 1979 a 1981, trabalhou no Colégio do Carmo. Mas foi na rede estadual que Luiza lecionou por 32 anos. “Passei por vários colégios.” Além de professora, ter seguido a carreira de história fez com que Luiza também fosse diretora de colégios, historiadora no Museu Municipal de Caxias e no Arquivo Histórico e coordenadora da Casa da Cultura.
Em 1986 ela começou a dar aula na UCS, o que ainda faz até hoje. “Eu adoro dar aula. Me dá a possibilidade de ter contato com jovens e com crianças e de ver que posso fazer algo por elas, transformar alguma coisa. Eu realmente acredito que a educação transforma as pessoas. Em especial nas Ciências Humanas.”
Mais do que educar, Luiza encontrou também na área de História outra paixão: a da pesquisa acadêmica. Suas pequisas, atualmente, giram em torno de imigração italiana e história do judiciário. “Eu gosto de mexer em documentos, de descobrir a história,” explica.
O momento mais marcante nesses anos todos, Luiza conta com orgulho, foi quando ela teve a oportunidade de influenciar uma aluna tanto quanto Loraine a influenciou anos antes. “Eu tinha uma aluna no Apolinário chamada Rute que gostava tanto das minhas aulas de história que ela veio fazer a graduação de história na UCS. Na metade do curso, ela engravidou. E batizou a menina de Luiza.” O acontecimento já se passou há tantos anos que a Luiza em questão já é até mãe. Rute, até hoje, dá aulas de história no Apolinário, onde conheceu a professora que tanto se espelhou. “Existem muitas recompensas em ser profe,” diz Luiza.  
Luiza fez mestrado e doutorado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Nessa trajetória, ela conheceu outra professora que a marcou profundamente: Núncia Santoro de Constantino, que a apresentou ao mundo da pesquisa. Sob a orientação de Núncia, Luiza dissertou sobre O Olhar do poder: a imigração italiana no Rio Grande do Sul, de 1875 a 1914, e depois sobre a Imigração e poder: a palavra oficial sobre os imigrantes italianos no Rio Grande do Sul (1875-1914).“Foi ótimo, me abriu os horizontes, me ensinou a trabalhar com pesquisa e me tornou alguém mais humilde. Quanto mais estudamos, mais percebemos o que não sabemos.” 
Hoje, além de dar aula no curso de graduação e no mestrado de História da UCS, Luiza é editora da Revista Métis: história & cultura e diretora do Instituto Memória Histórica e Cultural da universidade, instituto responsável por preservar, tornar acessível e divulgar a história e cultura da região. Ela divide seu tempo entre o trabalho na UCS e a família, que diz ser muito unida. “Geralmente a família se reúne para aquela coisa de gringo: comer e beber,” diz. “Não tenho filhos, mas tenho seis sobrinhos maravilhosos, que eu amo de paixão: Eduardo, Rafael, Camila, Ana Paula, Lucas e Carolina.” É também com o marido, Ronaldo, que ela aproveita as horas livres. “O que nós gostamos mesmo é de ficar em casa.”
Ela e Ronaldo se conheceram em 2004, em Porto Alegre, quando ela fazia doutorado. “A gente se encontrou,” diz, ao explicar como os dois se apaixonaram. Dois anos depois, eles se casaram e Ronaldo mudou-se a Caxias. O casamento, conta Luiza, era para ser muito simples: o noivo, a noiva e a família no cartório. Mas graças a uma das sobrinhas, Camila, na época com nove anos de idade, o evento tornou-se algo muito maior do que o imaginado. “Ela disse ‘eu vou de aia. Se é casamento, tem que ter aia e tem que ter convite’”, relembra. Camila se deu ao trabalho de fazer os convites à mão, fechá-los com durex e uma florzinha seca para enfeitar, e convidou a família toda para o evento, sem que Luiza soubesse.
Ao receber o convite, uma das tias de Luiza, Maria Horn, imediatamente a telefonou, indagando: “como é que vai casar e não vai ter vestido da Corina?,” disse, referindo-se à famosa modista de alta costura, que é madrinha de Luiza. Corina acabou fazendo um vestido azul-marinho para que Luiza se casasse no civil com Ronaldo. Dois grandes amigos de Luiza, Maria Lúcia Bettega e Maurício Moraes, organizaram uma bênção do frei Jaime Bettega, e Valdir dos Santos, outro amigo, organizou o cerimonial. “Virou uma super produção!  E veio um monte de gente que a Camila convidou, além dos nossos amigos. No fim, a gente se divertiu um monte,” conta Luiza. 
Camila realizou seu desejo, foi a aia do casamento da tia no cartório. E assinou com os noivos o registro do casamento naquele dia. A foto desse momento, uma das preferidas de Luiza, é uma das que ilustra essa matéria.

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