Publicada na Revista MyLevel Mag em dezembro de 2014.
Link original: http://issuu.com/mylevelmag/docs/1/1sobre-a-level
Vivemos uma época em que parece mais interessante apontar a câmera para si mesmo do que para tudo o que está ao redor. Como, afinal, criamos esse hábito narcisista?
Por Valquíria Vita
valquiria.vita@gmail.com
“Duck face. Não, já fiz essa semana passada. Cara de séria. Hum… melhor não. Rosto para o lado. Não, desse jeito o meu nariz não fica bom. Sorrindo! Assim posso usar aquele novo app para clarear os dentes. Já aproveito e apago as olheiras. Ai, será que esse é o melhor filtro? Será que vão curtir? Ai, droga, não teve muitas curtidas. Vou apagar. Amanhã tento de novo de um novo ângulo. E talvez duck face. Aí sim vão curtir”
Selfies, a marca registrada de uma geração, tornou-se um fenômeno tão comum - e difícil de ignorar - que virou até palavra oficial no dicionário Oxford. Depois de 2010, quando os celulares começaram a ser fabricados com câmeras frontais, as selfies tornaram-se uma febre. Você pode tirar 200 fotos de seu próprio rosto, apagar se não gostar de nenhuma e tornar pública através das redes sociais aquela que você se achou mais atraente.
Depois, é só esperar ansiosamente pela gratificação (esperada, mesmo que inconscientemente, após qualquer ação humana). Num mundo onde o virtual é quase mais importante que o real, as recompensas, nesse caso, são quantos likes a selfie vai ter. Se muitas pessoas curtiram, você obteve sucesso na sua missão, e termina o dia se sentindo bem. Se a foto teve poucos likes, você se sente mal, feio, sua autoestima cai. Entra-se assim em um ciclo sem fim em busca de validação e de aceitação, que pode se tornar um perigoso comportamento alienado, e, mais do que tudo, narcisista.
O conceito de obsessão - não por uma outra pessoa, mas por si mesmo - está relacionado a muitos estudos sobre selfies e mídias sociais. Um desses estudos, publicado esse ano pela Psychology Today, mostrou que tirar selfies pode chegar ao ponto de ser destruitivo para a saúde mental de um indivíduo, levando-o a apresentar tendências narcisistas, baixa autoestima e busca constante por atenção.
Nessa selfie obsession, entram anônimos e famosos. O ator James Franco é apontado como um dos campeões do autorretrato em sua conta do Instagram. O jogador Neymar também ganhou notoriedade por isso - não levou o Brasil para a final da Copa do Mundo, mas exibiu uma quantidade invejável de bonés de marca em inúmeras selfies postadas em sua conta, e ganhou dezenas e milhares de seguidores. Sua namorada, Bruna Marquezine, que posta fotos igualmente narcisistas (e que recebem quase a mesma quantidade de curtidas do namorado jogador), é a rainha do duck face - e boatos dos bastidores já diziam que ela atrasava as gravações da novela Em Família por estar sempre procurando o melhor ângulo para conseguir aquela selfie.
Tirar uma boa selfie dá trabalho e exige uma certa disposição, como fica claro no relato que abre essa matéria. “Eu não me importo em fazer ‘malabares’ para conseguir uma boa selfie. O que vale é que ela fique boa e que as pessoas gostem. Por mim eu colocaria minha selfie mais bonita até num outdoor,” revela Roque Greco Jr, ator e estudante de Porto Alegre, que diz que gosta muito de passar tempo “selfiando”, como ele mesmo denomina o hábito.
Para Greco, selfies são uma forma de exposição e exibição. “Quando as minhas selfies têm varias curtidas, até mesmo de gente que eu nao conheço, isso acaba me deixando confiante.” O contrário, no entanto, acontece quando ninguém curte. “Eu procuro logo postar outra selfie melhor, que dê mais curtidas,” conta Greco. Caroline Lain, estudande de Caxias do Sul que também tem a conta do Instagram e Facebook recheada de fotos dela mesma, compartilha da mesma insegurança. “Se não curtem eu penso que é porque a foto está feia, e às vezes eu apago mesmo. Fico com vergonha,” diz ela.
Caroline faz parte do grupo que mais tira selfies, segundo um estudo intitulado SelfieCity: as mulheres. Após analisar mais de 3 mil imagens em Nova York, São Paulo, Berlim, Bangcoc e Moscou, os pesquisadores constataram que mulheres fazem mais selfies do que homens e que elas tiram a foto de um ângulo mais alto para mostrar o próprio corpo (seios, de preferência = garantia de mais likes).
Há quem critique a prática, como a jornalista Carol de Barba, que não aprova o povo que faz selfie para mostrar (para quem quer que seja) “que está gatinho/look do dia/ostentação.” A selfie, segundo Carol, pode ser uma péssima estratégia de marketing pessoal, já que o indivíduo coloca-se no centro do universo: “narcisista, individualista, egoísta, acostumado com o sucrilhos no prato,” diz ela. “Um Instagram lotado de selfies tende a ser tedioso e egocêntrico. Demonstra que em vez de olhar para o mundo de um jeito interessante e único, o dono da rede social só sabe olhar pra si mesmo. O problema da poluição visual na timeline é fácil de resolver, é só dar unfollow. Difícil é mudar a tua imagem pra quem ficou com essa impressão.”
Da próxima vez que você decidir apontar a câmera para si mesmo, portanto, tente deixar de lado a ideia dos likes que você vai ganhar. E comece a pensar no que você pode estar perdendo.