Viva
e deixe os outros viverem é o lema da escritora que soma em sua
trajetória uma lista extensa de ações voluntárias e trabalhos dedicados à
cultura
Por Valquíria Vita
A
banda nacional rufou os tambores para anunciar a entrada do rei e da
rainha da Suécia, dando início ao jantar. O rei, Carl Gustav, exibindo
todas as suas condecorações; a rainha, Sylvia, deslumbrante em um
vestido vermelho. O jantar, com iguarias suecas e regado a vinhos da
África do Sul, foi embalado com músicas clássicas entoadas por quatro
senhoras. Na colocação da mesa, homens e mulheres intercalados
simetricamente, tais quais os inúmeros talheres e taças dispostos na
mesa, em quantidade exagerada, típica dos jantares pomposos. Após o
banquete, uma banda de jazz embalou a dança dos casais. Depois, todos
foram convidados para assistir a um coral de 20 vozes que se apresentou
do lado de fora, em um tablado flutuante em frente a ilha onde
acontecia o evento — organizado em homenagem aos concessionários Scania
do mundo todo. Entre os convidados, o casal Valdir e Teresinha Tregansin.
É
Tere, mais de 20 anos depois, quem conta essa história, relembrando
detalhes que outros, de memória não tão aguçada, já teriam esquecido. Na
época, a escritora acompanhava o marido, que trabalhava para a Scania,
em uma das viagens feitas à Suécia, cidade sede da marca.
A
habilidade em contar histórias e descrever acontecimentos é apenas uma
das características de Tere. A outra, certamente deve ser a modéstia. No
primeiro contato que tivemos, por telefone, ao saber que seria
entrevistada, ela perguntou: “Mas será que eu sou merecedora de uma
matéria assim?”
Tere
adiantou que o marido havia falecido recentemente. E comentou que,
desde então, estava sentindo uma tristeza que nunca antes havia
experimentado — mas que sabia que, com o tempo, conseguiria voltar à
vida normal. E com essa conclusão, a qual chegou ali mesmo, naquela
primeira ligação, Tere concordou em conceder a entrevista.
Nos
encontramos alguns dias depois, em um café. A entrevista — em que Tere,
entre outras histórias, contou sobre o jantar real na Suécia — foi
encaixada na rotina da escritora, que se divide entre reuniões bem
distintas: “Reuniões do Conselho da Mulher Empresária da CIC; do grupo
da igreja; do grupo de literatura infantil; da Academia Caxiense de
Letras e reuniões com as amigas”, elenca.
Lembranças de uma infância feliz em Galópolis
Tere
começou a conversa relembrando os saudosos anos em que passou a
infância em Galópolis, localidade em que nasceu, em 26 de agosto de
1941. “Lembranças da infância…”, ela suspira. “Lembro do verde que cerca
Galópolis, do rio que corta o vale em que eu tomava banho com as minhas
amigas, do morro que subíamos à procura do sanguanel (figura mítica da cultura italiana) e da cascata de 100 metros de queda”.
“Foi
uma infância tranquila, então...”, completo. “Foi… mas meu pai se metia
em cada briga…”, destaca ela. O pai de Tere, Ivo Arno Rihl, o único
dentista de Galópolis, usava o tempo livre após as consultas para fazer
campanha para o Partido de Representação Popular, na década de 50.
Se
de um lado o envolvimento com a política do pai fez com que Tere
cultivasse uma simpatia pelo assunto, por outro, ela guarda até hoje as
lembranças do lado negro da cena política naquela época: “A parte que eu
detestava era ver meu pai levar socos, tabefes e pontapés por causa
disso. Eles não matavam, mas eles batiam”.
Tere
e o pai tinham uma relação muito próxima. Era ela — a mais velha dos
seis irmãos (Mércia, Rogério, Sônia, Suzana, Roberto e Alexandre) —
quem acompanhava o pai em emocionantes viagens ao centro de Caxias em
cima de um motociclo do tempo da Segunda Guerra Mundial. A relíquia
automobilística do pai foi vendida quando Tere tinha 11 anos, para que
ele conseguisse comprar para ela um acordeão, instrumento que Tere toca
até hoje — no último Natal, com filhos e netos reunidos na praia, Tere tocou Noite Feliz.
Ela viveu em Galópolis até os 13 anos, quando a família inteira se mudou para Caxias.
O amor pela escrita. E por Valdir
Normalmente,
existe um momento — ou um período — em que percebemos o que queremos
fazer de nossas vidas. Para Tere, esse momento ocorreu no colégio,
durante uma aula de Português ministrada por uma freira. A professora
pediu que os alunos reproduzissem um trecho do escritor português Eça de
Queiroz. “No dia seguinte, ela disse que iria ler apenas a melhor
reprodução da classe. E, para a minha surpresa, foi a minha. ‘Se Eça de
Queiroz pudesse ler a tua reprodução, ele ficaria muito feliz’, a irmã
disse. E essa frase me marcou muito, que eu acho até um pouco forte, não
seria merecedora”, diz Tere, novamente questionando se merecia o
elogio.
Desde o incentivo da irmã, passaram-se alguns anos até que Tere lançasse o seu primeiro livro. Começou com O Dente de Ouro e hoje já soma mais cinco obras no currículo: A esperança cruza os mares; Galópolis El Profondo Vale Verde (onde demonstra sua profunda paixão pela localidade); Arte e Memória, Os Ferozes (que também tem Galópolis como cenário) e Viagem Maravilhosa à Terra dos Vikings (escrito após uma viagem à Suécia). Atualmente, está elaborando novos trabalhos: Kira – A cachorrinha salvadora e A Procissão. Além disso, está organizando uma coletânea de perfis de pessoas ilustres de Galópolis e dando continuação a um livro chamado Nossas Mulheres.
O
dom com as palavras foi aperfeiçoado durante a graduação, em que a
escritora cursou Letras com foco em História Regional e Literatura
Infanto-juvenil, pela Universidade de Caxias do Sul.
Aos 19 anos, Tere
trabalhava em uma concessionária Mercedes Benz. O serviço de
datilografar faturas na época pré-computador não era nada emocionante,
mas lhe rendeu um encontro com o futuro amor de sua vida: Valdir, quatro
anos mais velho, que trabalhava no mesmo segmento.
Após
o primeiro contato, Valdir enviou à ela um buquê de rosas, “bem
romântico”, diz Tere. “Cheguei em casa e disse para a minha mãe que um
rapaz que diziam que era muito correto havia me mandado esse buquê. Aí
minha mãe botou o nome dele para Nossa Senhora de Fátima, porque ela
disse que estava sentindo algo. Quatro anos depois estávamos casados”,
narra Tere. Tere e Valdir se casaram na Catedral de Caxias, em maio de
1967. Nessa parte da conversa, Tere precisa de uns segundos para se
recompor e voltar a falar. A perda do marido, que era “o companheiro
para tudo”, como ela depois definiu, ainda é muito recente.
Filhos bem encaminhados e viagens memoráveis
O
casal teve três filhos: Rafael, Tiago e Lucas. E Tere volta a se animar
quando começa a falar dos três. Ela conta com orgulho que, Rafael, o
mais velho, já foi presidente do Sinduscom e hoje é diretor da Viezzer
Engenharia. Tiago, mudou-se para os Estados Unidos e hoje tem dois
filhos americanos. Lucas já morou e trabalhou na China e hoje vive na
África do Sul. Os filhos deram à Tere cinco netos: Dany, Maria Isabel,
Gabriel, Frederico e Melissa. A dedicação à família é uma das
características de Tere destacadas pelo filho, Rafael: “Minha mãe sempre
foi uma pessoa apaziguadora e pronta para escutar, era ela quem
intermediava os conflitos entre os irmãos e entre os filhos e o pai”,
lembra.
Por
conta dos empregos dos filhos em diferentes continentes, Tere e Valdir
tiveram a chance de viajar muito: fizeram viagens anuais aos Estados
Unidos, além de terem conhecido a China e a África. Por causa do emprego
de Valdir, o casal também visitou a Europa muitas vezes. “A gente
cumpria a obrigação na Suécia e depois passeava pela Europa”, lembra
Tere.
Além
do jantar com os reis, outra viagem memorável foi uma ida a Nova
Iorque, com o marido e os filhos. Lucas, na época adolescente, estava
aprendendo a tocar guitarra, e a família foi até uma loja de
instrumentos procurar o modelo ideal para o menino. Enquanto o filho
experimentava as diversas opções, Tere começou a andar pela loja, que
era gigante. Em certo ponto, ouviu alguém tocar e deu de cara com o
cantor Gilberto Gil, que estava testando uma guitarra. “Pedi para ele
tocar uma música e ele tocou! Então eu posso dizer que tive Gilberto Gil
tocando só para mim”, conta. Ninguém mais presenciou a cena, mas a
lembrança, ainda faz Tere sorrir.
Viajar
ocupa a segunda posição no ranking de atividades favoritas de Tere. A
primeira, claro, é a leitura. “Depois é o hábito de me renovar vendo o
mar, amo a beleza do litoral”, diz Tere, frequentadora da praia de
Atlântida. A frase tem tudo a ver com o que disse Rafael, o filho mais
velho: “Com a minha mãe, aprendi a gostar da subjetividade e a procurar a
beleza poética em coisas simples que, no dia a dia, tornam a vida mais
doce e menos dura”.
Esforços voluntários em busca de pessoas melhores
É
desde a fundação do Conselho da Mulher Empresária da CIC, em 1997, que
Tere está envolvida com a entidade. Ela responde pela parte cultural da
organização. O serviço não é remunerado, assim como outras atividades de
Tere, como o grupo “As Teresinhas”, que estão construindo a Igreja de
Santa Teresinha do Menino Jesus e um Centro de Formação de Mães e Adolescentes no Bairro Fátima Baixo, em Caxias.
A
dedicação à cultura é extremamente presente na vida de Tere. Sempre
foi. “Descobri a arte quando a antiga revista O Cruzeiro estampou a obra
de Salvador Dalí”, conta. Entre seus envolvimentos culturais, se
destacam o de presidente do Núcleo de Artes Visuais de Caxias (Navi),
onde lembra ter passado oito meses acompanhando a restauração de um
painel de Aldo Locatelli.
Tere
também foi presidente da Associação dos Amigos da Casa da Cultura;
integrante de comissões comunitárias da Festa da Uva; diretora do
Departamento Cultural do Recreio da Juventude; membro do Conselho
Municipal de Cultura e hoje é Vice-Presidente da Academia Caxiense de
Letras de Caxias: “Acredito que a cultura é um meio de as pessoas se
humanizarem. Se elas se interessam por cultura, elas podem ser pessoas
melhores”, explica Tere, definindo seu lema de vida em uma frase
simples: “Viva e deixe os outros viverem”.
Matéria publicada no Lado B Junho 2016 na Revista Acontece Sul.